Passei ontem à porta da Igreja da Misericórdia para ver a homenagem ao Luís Guerreiro, velho companheiro de armas. Meti o nariz lá dentro a medo, que há muito tempo que não me arrisco a estas coisas de ir a eventos públicos, com gente bem apessoada, ainda para mais agora que os ventos andam mudados na terra, ali com o mamarracho do Intermarché onde era a boa e velha Bore e a ter de ir estacionar quase ao cais velho, que eu sou pessoa dos arrabaldes, como é certo e sabido e nem tinha dado que havia uma coisa que quase parecia uma festa se não tivesse um ar tão triste.
Estive ali mesmo à beirinha, que isto de homenagens aos mortos não me atrai, em especial quando servem os interesses dos vivos e se esquece a memória verdadeira dos defuntos. É raro ao defunto agradar este tipo de coisa, pois nem sequer lhe deixam escolher as flores, quanto mais o resto. Vi malta conhecida de outros tempos, mas não vi os que fizeram a vida do Luís, quando ele ainda não era artista, mas apenas "artista". Estava lá o Luíz Carlos, que fez bem em não adormecer a alta toda antes do tempo e em lembrar o Paulo Gil e o Lídio, que já se foram, mas não vi a pandilha da arrecadação da Duarte Pacheco, o Távora, o Luís Peúga, o Rui dos Correios, o Bzu ou mesmo o Cristiano ou o Zé Tó, das trovas e baldrocas das bandas desenhadas. Estava o Guinote, mas parecia encolhido, ali no meio, como se quisesse estar em outro lado. Não estava o Raminhos, que anda em passeio. Estava o Croca. Pareceu-me ver o Carlos, companheiro das lutas mais recentes, depois da minha reforma. Mas faltava muita gente que interessava e sobrava quem nem consegui reconhecer da vida antiga do Luís, muito menos de dar-lhe a mão quando fazia falta. Foram só para aparecer um para gravar o evento, como aquele par de moçoilas em saltos altos e muito saricóté.
Não ouvi falar muito dos pais dele, que foram os primeiros a dar-lhe força e a aturar-lhes as maluqueiras, antes da chegada da Tina ao pedaço. Acho que foi ingrato e só quem viu o amor colocado pela dona Júlia naqueles almoços fora de horas, a caminho da sesta é que pode entender a ligação que ali havia e o fazia viver. Foi pena, não se terem lembrado de dar maior destaque a quem o deixou ser como era.
Disse-me quem entrou e saiu que falaram uns senhores que nem sei bem quem são, acho que agora são da Junta ou da Câmara moiteira, que pareciam atrapalhados com as palavras, pois parece que queriam dizer bem, não sabiam bem como ou do quê e falaram muito da "arte" do Luís. aquela que sobreviveu a custo mais de 20 anos, sem o devido reconhecimento. Sabem lá eles o que era a arte do Luís. Mais outro Luís fez um vídeo, que isto de se morrer tem que se lhe diga até nos fazem documentários assim limpinhos e que parecem ter ido à filtragem de conteúdos impróprios.
Acho que o camarada Guerreiro teria ficado um bocado embaraçado com aquilo tudo, mesmo se já tinha aceitado em vida uma medalha moiteira, que foi coisa que entre nós ficou entalada. Aceitar coisas de usurpadores. Pior mesmo, foi noticiarem num pasquim da zona, quando da sua morte que tinha falecido um "artista plástico moitense". Moitense, uma merda.
O Luís Guerreiro, nas suas próprias palavra era um "grande paineleiro...", mas era alhosvedrense e sempre o proclamou alto e bom som. Ou eu deserdava-o.
E essa parte foi outra que me parece ter corrido mal, assim como raio da cantoria que nunca mais acabava. Deu para ir à Velhinha, ver mais umas almas penadas, voltar e ainda havia por ali gargarejo sem fim e nada de Ramones, Sex Pistols, Specials, Madness ou sequer do Quadrophenia que ele tanto adorava. Antes o Tony de Matos, Marco Paulo (o gajo obrigou-me a dar-lhe um LP que era da minha mãe) ou o José Cid. Ou o Sidney Magal ou o Nelson Ned. Fado só se fosse da Hermínia Silva ou um fado rasgadinho, com letra para inconveniência de muitos dos presentes. As fadistas eram boas fadistas, em especial a mais gira das duas que agora não digo que era, até porque o Luís gostava delas mais cheiinhas de carnes, mas dentro do género não estiveram mal. Só que o filme era o errado. O tipo de preto parecia que tinha saído de um vídeo do Gary Numan e em matéria de canto era mais para o nacional cançonetismo. Chamem-me o Fernando Farinha.
O que conta é a intenção e a intenção foi das melhores. Sim, mas não percebi o que é que o 8 de Abril era chamado para a coisa, pois que me lembre o camarada nem nasceu, nem faleceu na dita data, nem lhe aconteceu nada de especial nesse dia.
Mas se era mais conveniente para os vivos, ainda bem, que os defuntos já não se queixam.
E foi isso que me pareceu, uma coisa que deu jeito aos vivos, mas ignorou praticamente tudo do que era a identidade do Luís Guerreiro, por muito que as fadistas falassem no "artista" por tudo e nada, a avaliar por uma gravação que já me mandaram por whatsapp e fotos no feice, mesmo se as fotos não falam, o que é sempre uma vantagem..
Fiquei sem pena de não ter passado da soleira, embora quase caísse em cima do carrinho do bebé que os pais levaram até ali, nem sei bem para quê. Se tivessem entrado ainda começava a cantar o Psycho Killer e era uma chatice que todos sabem como eu canto bem, sempre que fico calado. Que era o que as "individualidades" deviam ter feito se era para para darem um ar de normalidade ao Luís, que normal é coisa que ele nunca foi, que o Kropotkine e o Rolão Preto o tenham em descanso.
E é assim.
Viva o Guerreiro, viva, esse grande paineleiro.
Mas nunca moiteiro.
Nem morto!