segunda-feira, agosto 29, 2005

À desfilada, pela sombra do Verão

Grande parte dos meus amigos pertence à classe docente, neste ou naquele nível de ensino.
Todos eles, em especial os do Ensino Básico e Secundário, sofreram tratos de polé às mãos dos Governos de Durão Barroso e Santana Lopes.
No entanto, esses desvarios foram resultado principalmente de incompetência técnica em erguer um novo modelo de concurso ou em fazer com que os serviços fizessem as suas obrigações.
Com a vitória do PS e de Sócrates, para que muitos contribuiram, esperavam que a nuvem negra tivesse passado e que novos e melhores ventos soprassem.
Ora pelo que à minha caixa de mail tem chegado, parece que desta vez o ataque anunciado há meses às condições de trabalho dos(as) professores(as) chegou à desfilada em maratona legislativa feita durante a época de férias e em milhentas instruções aos órgãos de gestão da Escola. E desta vez não é incompetência é apenas um ataque puro e duro, com muita má-fé à mistura.
Após os maus resultados nos exames de Matemática, já aqui destacara o erro que é manter um regime de ensino laxista e afirmar que o necessário é os professores (e não os alunos) passaram mais tempo nas Escolas e trabalharem mais (e não os alunos).
Agora, e perante a legislação produzida neste último mês, entre a qual se conta a revisão do Estatuto da Carreira Docente, não sei se com a explícita colaboração dos tristes sindicatos que enxameiam o panorama, desenvolve-se o mais violento ataque ás condições do trabalho docente dos últimos 15 anos, desde o não pagamento aos estagiários já licenciados ao aumento de horas de trabalho lectivo nas Escolas, a coberto de ser ao abrigo das horas da componente não lectiva, não esquecendo (como agora parece ser prática comum) a aplicação retroactiva de limitações às regalias dos docentes com problemas de saúde ou mesmo a limitação à assistência a familiares (para mais informações consultar dossier legislativo no site da NetProf).
Não tenho aqui todos os elementos necessários para analisar mais detalhadamente estas questões (a que eventualmente voltarei) mas, a avaliar pelo que me é dado conhecer, gostaria de deixar aqui algumas notas adicionais ao que já escrevi há uma meia dúzia de semanas:

a) O Estatuto de uma carreira profissional, mesmo dependente do Estado, não pode ser revisto de forma ad hoc, sem participação dos sindicatos ou, tendo essa participação existido, sem um debate e esclarecimento alargado dos interessados e visados.

b) O hábito que se vai inscrevendo de aplicar retroactivamente medidas legislativas mina, a partir do centro, a legistimidade da sociedade democráticas e das boas regras de convivência entre cidadãos e eleitos/governantes.

c) Muitas das condições de trabalho dos docentes que agora se limitam (nomeadamente o horário lectivo e não lectivo), foram "regalias" conquistadas em finais dos anos 80 em troca da não equiparação salarial da carreira docente à carreira técnica superior da Função Pública. À menor remunmeração relativa, para além das condições específicas da função, corresponderia uma menor carga horária efectiva no local de trabalho. Sei do que falo porque era técnico superior contratado nessa altura e ganhava bem mais do que os professores e, só por coincidência, um dos meus trabalhos de então passou pela análise dos documentos preparatórios daquela que ficou conhecida como a reforma Roberto Carneiro.

d) Em contrapartida ao rigor colocado na domesticação dos docentes, continua por regulamentar de forma corajosa a ocupação quase vitalícia de cargos de gestão nas Escolas, por parte de pessoas que, graças a isso, não leccionam e (ab)usam do seu poder de forma discricionária.

e) É triste que, em vez de uma regulamentação e fiscalização séria dos abusos cometidos por alguns, se legisle para todos de forma injusta para muitos. Quando o Estado opta pela solução mais fácil e o faz à socapa do Verão e das férias e beneficiando de uma apatia dos sindicatos, enredados nas suas próprias insuficiências e capacidades, continuamos no grau zero da política e no fundo do buraco para onde o governo anterior já atirara o país.

Como detalhe final, cumpre referir que as minhas condições de trabalho não irão ser afectadas por esta legislação, pelo que no dia 1 de Setembro, ao contrário de muitas pessoas amigas, não sofrerei na pele a indignidade que este governo tem reservado para aqueles que trabalham para o Estado, excepção feita - é claro - aos assessores, chefes de gabinete, secretários particulares e outros que tais, recrutados entre os amigalhaços e retribuídos na base dos muitos milhares de euros, sem que a qualidade do desempenho do poder executivo se note.

AV1

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