A discussão sobre o municipalismo e as origens e natureza do poder local em Portugal levar-nos-ia muito para além do âmbito e ambições deste blog.
Convém, no entanto, analisar esta questão numa perspectiva da sua evolução e aplicação a nível local, nomeadamente quanto à situação actual do território do antigo concelho de Alhos Vedros e às razões que justificam e legitimam um movimento tendente à sua restauração.
Comecemos pelo enquadramento teórico do problema, o qual passa pela definição do que entendemos dever ser um concelho. Ora, o problema radica mesmo aqui.
Actualmente, não existe uma conceito de «concelho» que ultrapasse as conveniências políticas conjunturais, que resista às leituras e adaptações locais ou que seja invulnerável aos desmandos e atropelos praticados pelas elites políticas locais/nacionais quando lhes interessa (um pouco como com os PDM’s).
Nenhuma definição é perfeita ou a todos satisfaz. Provavelemente, quanto mais perfeita for, mas atemporal será e, por natural consequência, menos agradará aos apetites de cada momento que passa e respectivas clientelas- Por isso, podemos construir uma nova ou pedi-la emprestada ao passado.
Eu pedi a minha emprestada aos primórdios do nosso municipalismo liberal moderno, em particular ao Decreto 65 de 28 de Junho de 1833 nos seus artigos 12º e 13º, em que ssão dadas as bases de organização dos concelhos saídos da reforma dos forais:
«Artigo 12º (...) §1º Combinarão as duas bases da população e da extensão, de uma maneira que nem a população, por excessiva, torne difficil o expediente Judicial e Administrativo do Concelho; nem, por diminuta, forneça um numero insufficiente de Cidadãos activos para as eleições e para o serviço dos cargos publicos.
§ 2º Terão igualmente cuidado em que não sejam grandes as distancias das Povoações às cabeças do Concelho, para não causarem grave incomodo e distracção aos povos.
Artigo 13º Para que o disposto no artigo antecedente se possa mais facilmente conseguir, poder-se-hão unir dous, ou mais, dos antigos Concelhos; ou desannexar freguezia, ou partes de freguezias de uns, para unir a outros, segundo melhor convier, formando-se dessa união um só Concelho (...)
§ 1º Nesta operação não se terá sómente em vista a commodidade ostensiva dos povos; mas sobre tudo, os seus habitos e relações com o Concelho e Cabeça deste, a que os outros se tiverem unido.»
Nesta passagem encontramos enunciados vários princípios essenciais:
a) Equilíbrio entre o espaço e as gentes, devendo evitar-se situações extremas de concelhos com gente mas sem terra e vice-versa (artº 12).
b) Centralidade da sede do concelho (§ 1º do artº 12).
c) Concentração racional do território e não desintegração (§ 2º do art. 12).
d) Predominância da tradição sobre os interesses na definição da sede de um conclho aglutinador de outros (§ 1º do art. 13)
Podemos sempre afirmar que os tempos são outros, mas estes são princípios que na sua formulação abstracta são tão válidos hoje como ontem. Eu apenas lhes acrescentaria a necessidade de um concelho ter os recursos e estruturas (económicas, culturais, de transporte, saneamento, etc) indispensáveis às necessidade da sua população.
Como se aplica isto ao caso do(s) concelho(s) de Alhos Vedros e Moita desde as suas origens e sucessivas desanexações e integrações ?
Relembremos que Alhos Vedros foi sede de concelho desde a Idade Média até à menos de 150 anos, incluindo até à primeira metade do século XVI todos os actuais territórios dos concelhos do Barreiro e Moita, dele se autonomizando sucessivamente o Barreiro, o Lavradio e a Moita, até finais do século XVII. Após perder relevo político-administrativo, gente e recursos, o concelho de Alhos Vedros acabou por ser extinto em 1855 e sucessivamente integrado nos do Barreiro e Moita, numa «dança» muito próprio dos interesses eleitorais dos caciques locais do período do chamado Rotativismo.
Não vou aqui analisar as causas remotas da decadência demográfica e da diminuição do “peso político” de Alhos Vedros no contexto da margem sul mas apenas confrontar a realidade coeva com os princípios abstractos que definiriam um concelho. Ora, enquanto sede de concelho, Alhos Vedros preencheu longamente todos os quesitos (equilíbrio, centralidade, concentração, tradição) nos seus limites do século XVII, anteriores à desanexação da Moita.
Em contrapartida, o concelho da Moita na sua formulação actual não cumpre muito desses parâmetros, nomeadamente quanto aos itens da centralidade (fica quase num dos extremos do concelho) e da tradição (por motivos óbvios), sendo ainda muito polémica a questão de, sendo sede do concelho, a Moita ser factor mais de desitegração do que de unificação, devido à manifesta crescente insatisfação das populações das freguesias de Alhos Vedros, Vale da Amoreira e Baixa da Banheira. Nem tudo pode rodar em volta dos touros, porque essa é uma tradição da chamada “Moita do Ribatejo” que a não une à larga maioria do seu concelho e respectivas populações.
Para além disto, as autoridades locais do concelho não conseguiram, nas últimas décadas, desenvolvê-lo de forma sustentada, equilibrada e harmoniosa, o que se manifestou principalemte em quatro fenómenos:
1) Ausência de infraestruturas fundamentais no concelho, quer no plano da fixação do emprego (vejam-se os casos de sucessivas “deslocalizações” de empresas têxteis, com destaque para os “elefantes brancos” da ex-GEFA e da ex-Helly Hansen deixados ao abandono no meio de Alhos Vedros, depois de terem cumprido a missão de captar fundos comunitários para alguns interessados), quer no do lazer, cultura e desporto (falta de equipamentos desportivos de qualidade, de uma sala de espectáculos moderna, digna do nome, etc, etc).
2) Critérios duvidosos na criação de algumas das estruturas existentes, nomeadamente da sua qualidade quando fora da sede do concelho, de que exemplos notórios são os espaços verdes e a zona ribeirinha de Alhos Vedros; o parque de Alhos Vedros nasceu tarde e mal, entalado entre um viaduto rodoviário, a linha férrea e as ruínas industriais da Cortceira Ibérica; quanto a poluição sonora, ambiental e paisagística estamos falados. Quanto à faixa ribeirinha de Alhos Vedros é um acumular de lixeiras ao abandono, enquanto a da Moita foi recuperada. Já na Baixa da Banheira, o enorme parque José Afonso está nas costas da freguesia e é o exemplo claro de um investimento mal planeado e sem o devido aproveitamento.
3) Desprezo pelo património histórico matricial do concelho, com a memória histórica do concelho de Alhos Vedros a parecer resumir-se ao pelourinho manuelino (o tal que queriam levar), caindo a antiga cadeia aos bocados e estando ao abandono o edifício onde antes funcionavam os Paços do Concelho, paredes meias com um moinho de maré que nem está lá para enfeitar e ser aproveitado em articulação com o parque.
4) Decapitação das elites locais, através da sua cooptação para o exercício do poder local central (passe-se o aparente paradoxo), o que também funciona como estratégia para “calar” as contestações de fora da Moita. É o caso da Presidência da Câmara da Moita que raramente lá viu sentado um moiteiro mas que, nem por isso, deixou de ser acerrimamente injusta para muitas das freguesias que viram nascer e/ou crescer os seus ocupantes. O caso de alguns edis alhosvedrenses, já em período democrático, é particularmente infeliz e vergonhoso neste aspecto, com destaque para o penúltimo Presidente, afastado por “razões pessoais e familiares” do seu exercício.
Enfim, a prosa vai longa e o essencial fica dito.
Por isso, caros leitores, pensem bem se a actual configuração deste concelho e a distribuição do seu poder não será a razão para o seu desiquilíbrio e assimetria, devendo ser encarada a restauração de Alhos Vedros como sede do concelho o caminho para a superação de tão graves dilemas.
Saudações restauracionistas.
António da Costa, 28 de Novembro de 2003
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