sexta-feira, abril 23, 2004

A cada um o seu 24, desculpem, 25 de Abril

Embora tenhamos afirmado anteriormente que o nosso intuito não é polemizar indefinidamente com o nosso leitor Titta Maurício, somos obrigados a fazer mais umas referências a seu propósito.
Com alguma frequência, TN tem a simpatia de nos mandar umas propostas de consulta ao Diário Digital, onde, pelo vistos, mantém colaboração.
Até ao momento, nunca nos tínhamos dado ao trabalho, por termos mais que fazer e não ser nosso objectivo comentar textos ou situações não directamente relacionados com os propósitos deste blog.
Esta semana fomos fracos e fomos espreitar o texto porque se relacionava com os 30 anos do 25 de Abril.
Fomos fracos e pagámos cara a ousadia, porque nos ía caindo tudo ao ler o que lemos.
Então não é que TM, que nos critica pela nossa linguagem, usa expressões como “cobardes”, “bárbaros”, “canalhas” a propósito daqueles que encara comos seus adversários políticos. A adjectivação é colorida mas o rigor analítico fica curto, mesmo que tenha muita razão por trás.
Não sei se TM confunde este tipo de discurso com coragem. Se o faz está enganado, porque em Abril de 2004 não é particularmente corajoso revisitar a História a gosto. Aliás, o seu texto, em 1967, quando nasceu, teria sido aceite com igual liberdade, pois as ideias que professa eram então bastante populares no regime em vigor. Nesse aspecto, o 25 de Abril realmente não trouxe vantagens, pois chamar “canalha totalitarismo comunista” já antes era permitido.
O contrário é que não era. Por exemplo, a nós não nos seria permitido publicar textos a criticar os actores e decisores políticos, locais ou nacionais. Pensando bem, agora também não é propriamente possível, se não recorrermos à Internet, pois a generalidade da imprensa está domesticada e porta-se muito bem se quer continuar a comer as migalhas que deslizam da mesa do poder, a que TM já está sentado, de uma forma ou outra.
Quanto ao resto, ficamos a saber que TM leu um livro de Sanches Osório e que o aceita como a verdade completa, não usando mais nada para cotejar o que aí é relatado. Para docente universitário, tem poucas capacidades heurísticas e hermenêuticas mas, verdade seja dita, o nosso Ensino Superior está longe de ser de grande (ou média) qualidade.
O resto do texto é um descabelado arrazoado anti-comunista, como já não líamos há muito tempo. Pensamos que, afinal, Kaúlza de Arriaga e Galvão de Melo deixaram descendência e que o Jaime Nogueira Pinto já pode entregar a alma a Deus com alívio. Só lhe falta, a pretexto do Gulag, negar o Holocausto.
Só é pena que, como atrás dissemos, todo este denodo aconteça em 2004. Não somos muito mais velhos, mas na segunda metade dos anos 70 talvez se compreendesse melhor uma intervenção deste tipo. E então, talvez pudesse ter demonstrado alguma coragem, se tivesse idade para isso.
Por isso, caro TM, não nos enganámos desde o início. Realmente não pertencemos ao mesmo mundo, pois por certo, não foi nas suas relações que alguém ficou com salários em atraso na sequência dos primeiros governos em que o CDS participou (a gloriosa aliança PS/CDS de final dos anos 70 e os dois da AD original), nem foi na rua em que morava que mais de metade das famílias sobrevivia com o velho “fiado” na mercearia.
Claro que a culpa era dos “esquerdistas” e de mais ninguém.
Pois é, a declaração final de que as suas interrogações são legítimas não deixa de ser hipócrita porque o que ficou para trás não foram questões mas afirmações, muitas das quais com grau zero de fundamentação.
Realmente é verdade que o que fala é do pouco que se lembra e do (muito) pouco que leu. Isso nota-se e muito.
Se tivesse vivido, talvez fosse melhor ou, pensando bem, talvez não, porque o mundo visto da sua perspectiva é diverso do visto da nossa.
Se tivesse lido mais, também poderia ter construído um discurso menos trauliteiro (afinal, sempre tem um Avelino Ferreira Torres dentro de si, só lhe falta a idade e a oportunidade), mas, pensando bem, talvez não, porque o mundo lido da sua perspectiva não é o mesmo do lido da nossa.
Já agora, o COPCOM era COPCON. O livro que leu devia ter uma gralha.


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