Este texto destina-se a aprofundar a análise inicial, superficial, daquilo que entendo por MODECOCA – Modelo de Desenvolvimento Económico do Cafezinho.
Como em outros objectos de estudo das ciências económicas e sociais, também o MODECOCA se caracteriza por alguma complexidade conceptual, sendo necessário distinguir as suas diversas fases, à semelhança da industrialização ou mesmo dos modos de produção.
Nesta perspectiva, o MODECOCA caracteriza-se por três fases de desenvolvimento, num sentido ascendente de sofisticação mas que podem coexistir no tempo, em diferentes espaços, ou numa mesma unidade de espaço, conforme adiante veremos.
O MODECOCA I corresponde à fase inicial do processo em que o cafezinho/bica é servido na sua formulação mais básica, com chaveninha, colher e embalagem de açúcar, servindo para suprir as necessidades mais básicas do consumidor, o qual se caracteriza, por sua vez, por alguma simplicidade, quando não rusticidade. Este consumidor, quando regular, pode completar a sua bica com a leitura dos principais títulos de A Bola ou Record (homens) ou da TV 7Dias, Nova Gente ou 24 Horas, quando disponíveis em cima de uma das mesas do estabelecimento, seguindo-se comentário em voz alta com os(as) acompanhantes, bem como o sacramental cigarrinho que se aprendeu a fumar na saída da infância, início da adolescência quando isso era sinal de se ser “fixe”. Em alguns casos, com destaque para os meses do ano com temperatura média acima dos 20 graus tende a aparecer de calção, t-shirt ou camisola de cavas e sandalocha (homens) ou então com calça de lycra coleante de cor viva, maquilhagem generosa e cabeleira (quase legítima) loura (senhoras). É esta a fase dominante, se não exclusiva, em Alhos Vedros.
O MODECOCA II, fase seguinte, surge com o início da sofisticação do serviço: já se oferece um chocolatinho com o café e, por vezes, existe um recipiente com pauzinhos de canela para mexe o líquido, assim lhe transmitindo um aroma mais rico. O consumidor regular que escolhe este serviço já tem pretensões mais cosmopolitas e, para além da imprensa fornecida pelo estabelecimento, chega mesmo a comprar um jornal ou revista que leva para ler, ou mostrar que lê, em especial ao fim de semana. O Correio da Manhã é uma opção, chegando-se mesmo a ousar o Diário de Notícias. As senhoras optam pela Caras, Lux ou Vip. O calção e a sandalocha já rareiam, mas o gel azeiteiro espreita à esquina de braço dado com os óculos escuros, mesmo em dia de nevoeiro. Contam-me que em alguns locais da Moita esta fase já chegou, demonstrando a faceta cosmopolita da urbe.
O MODECOCA III, por fim, já é uma fase de grande desenvolvimento e sofisticação do modelo, pois acarreta o serviço de variantes complexas da velha bica, como o capuccino, mokaccino ou mesmo, delírio total, um irish coffee. Esta é uma fase ainda só atingida em bolsas espaciais diminutas, e fora dos limites do concelho da Moita, sendo necessária a deslocação a centros comerciais das redondezas. Aqui o público é claramente mais cosmopolita, pois já consomem o Público e o Expresso (as senhoras arriscam uma Máxima, uma Holla em castelhano), conheceram o interior de um cinema já neste milénio e sabem que a FNAC já não é uma marca de ares condicionados. O gel impera, em camadas generosas, o óculinho escuro é de marca de renome e, no caso do belo sexo, a indumentária procura mimetizar o estilo jovem e fresco de Cinha Jardim ou mesmo da astróloga Maya. O porte é altivo e a atitude de domínio. Já se conduz apenas carro de marca alemã, e turbodiesel, estacionado em diagonal no espaço reservado aos deficientes ou às motas. Encontramo-nos, portanto, já na fase final da evolução, no topo da pirâmide social suburbana. Em Alhos Vedros, esta fase é apenas uma miragem (só mesmo para estrangeirados) e, no conjunto do concelho, um objectivo a alcançar em duas gerações. Por enquanto, resta ir a um estabelecimento de um qualquer Fórum da Margem Sul ou ousar atravessar o rio e visitar Lisboa.
António da Costa, 6 de Junho de 2004
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