terça-feira, junho 01, 2004

A bica como motor do desenvolvimento local

Embora não seja caso único, Alhos Vedros é um exemplo daquilo a que se pode chamar (e deveria ser objecto de estudo académico) com propriedade o modelo de desenvolvimento económico da bica.
Esclareçamos, desde já, o conceito. Por modelo de desenvolvimento económico da bica/cafezinho (MODECOCA) designo o modelo em que a economia de uma zona (localidade, concelho, região, país) assenta no comércio do cafezinho servido em chaveninha, com pires por baixo, colherinha e pacotinho de açúcar, incluindo nos estádios de maior avanço o pauzinho de canela e um chocolatinho como brinde (em Alhos Vedros ainda não chegou a esta fase). Na fase final do desenvolvimento, inclui-se a hipótese do comércio de capuccino, mokaccino e afins.
Nas zonas em que o MODECOCA se inscreve e se torna o motor da economia, todos os sectores tradicionais da economia faliram: a agricultura desapareceu, a indústria faliu e o comércio e os serviços definham.
Como é fácil constatar para quem vive em Alhos Vedros há algumas décadas, este é o retrato perfeito do panorama económico alhosvedrense sob dominação moiteira.
A agricultura não existe, por muito que brade aos céus um vereador contra a PAC. Existe alguma produção de palha em terrenos meios deixados ao abandono, mas isso não conta. Ao contrário de outros concelhos com zonas rurais e com potencial agrícola, no concelho da Moita só se cultivam urbanizações.
A indústria faliu nos seus principais sectores, a cortiça, por definhamento, os têxteis, por ganância patronal e irresponsabilidade/incompetência política. Depois da fase em que se instalaram em velhos armazéns (origens da GEFA, BORE, HELLY-HANSEN, para não designar as várias mutações que assumiu a Lander), chegou a da expansão em enormes edifícios pré-fabricados de mau gosto, inscritos em zonas habitacionais contra quaisquer padrões urbanísticos (a centopia disforme que se tornou a Helly-Hansen) ou que deviam ser protegidas em termos de paisagem (a GEFA/GUSTON quase engoliu a beira-rio junto ao Cais e a Igreja). Acredito que alguém ganhou com o negócio e as autorizações dadas para a expansão à custa de subsídios comunitários. Quem lá trabalhou nesta fase, ganhou menos do que mereceria pelas condições em que fez esse trabalho. Depois, vieram as pseudo-falências e fechos justificados com as consequências da globalização da economia e a deslocalização das empresas. Nada que não se pudesse antecipar e que deveria ter aberto os olhos dos autarcas moiteiros (a começar pelos alhosvedrenses assimilados pelo poder), mas que foi ignorado em nome de “interesses”, de quem em concreto não se pode dizer, por causa dos processos judiciais. Agora restam “monos” esventrados a grande escala para recordar esses tempos áureos em que a CEE pagou muito carrinho novo e lubrificou, rejuvenescendo, algumas contas bancárias. Entre-se do lado da Moita (Helly-Hansen), do Barreiro (Corticeira Ibérica, Gefa) ou circule-se pela terra (Bore, velhos barracões das corticeiras) temos direito a visões semelhantes às de uma povoação abandonada após uma qualquer guerra; aliás, se seguirmos do Barreiro ou do Vale da Amoreira para a Moita pela estrada, o que mais se vê da terra são ruínas.
O terciário, por seu lado, nunca passou da cepa-torta, cada vez mais torta com a concorrência banheirense nos anos 70 e das grandes superfícies desde fins de 80. À semelhança de Portugal no mercado global, também o mercado interno de Alhos Vedros não chega para manter um comércio próspero, sendo nulo o seu potencial de atracção para as populações circundantes.
Ficámos, por isso, reduzidos aos numerosos cafezinhos de esquina e vão de escada, agora em que até as tradicionais tascas se tornaram relíquias da memória.
Com poder económico baixo e margens para gastos curtas, mas muita vontade de não fazer nada de útil, falar do irrelevante, roçar o traseiro por cadeiras alheias, mirar e ser mirado(a) pela vizinhança, o(a) alhosvedrense típico(a) aderiu ao modelo de comportamento da modernidade suburbana, migrando para os cafés em diversos períodos do dia, de manhãzinha («é para acordar, que eu sem um cafezinho não faço nada»), a seguir à refeição («é para a digestão») ou em qualquer outra parte do dia/noite («é para espairecer um bocadinho»).
Assim nasceu e se expandiu o MODECOCA, fonte da única actividade económica que nas últimas décadas se expandiu em Alhos Vedros e parece capaz de resistir, mesmo que com crises ocasionais, à transição para o novo milénio.
Um modelo secundário (o MODECOCERTRE – Modelo de desenvolvimento económico da cerveja e tremoço), para além de ser mais difícil de pronunciar tem uma natureza mais sazonal e um potencial menor de crescimento pois, mesmo que existam heróis que começam um dia com a “bejeca e tramoço” e cada vez mais mulheres alinhem, o seu período forte está associado ao aumento da temperatura, à época dos caracóis e ao período vespertino. É um bom complemento ao MODECOCA mas não tem condições para o substituir.

Em texto(s) posterior(es), aprofundaremos algumas destas questões que, como dissemos, deveriam merecer estudo académico, da teoria económica à psicologia, não esquecendo a antropologia e a sociologia.

António da Costa, aos 31 dias de Maio do ano da graça (graçola !) de 2004

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