Centremos a nossa atenção em mais uma prosa de opinador local sobre a Educação, neste particular sobre "O caso do Ensino Profissional no Concelho" de Miguel Latas.
Comecemos pela abertura do mesmo que, para mim, marca o estilo e os equívocos de todo o resto:
«É por demais notório, e tem vindo a ser provado à saciedade, que uma das características mais marcantes do processo evolutivo do ensino em Portugal surge como resultado de uma tendência para a profissionalização das vias de ensino (vide o caso dos politécnicos e das escolas profissionais). Sendo certo que esta profissionalização decorre muitas vezes, por imperativos de vária ordem, da necessidade de dar resposta aos desafios emergentes apresentados pelo progresso económico e social.»
Ora bem.
A primeira frase, para não lhe chamar uma falácia, não passa de uma descrição equivocada da realidade. Na verdade "não tem vindo a ser provado à saciedade" que um aspecto marcante da evolução do ensino tenha vindo a ser a profissionalização das vias de ensino.
Isto não é assim e, pelo contrário, o inverso é mais verdadeiro, com as vias de ensino a predominarem e a levarem à produção ininterrupta de licenciados, profissionalizados é certo, mas exactamente para... o Ensino. A profissionalização das vias de ensino, não passa de isso mesmo, de profissionalização para o ensino.
Quanto ao resto do parágrafo, o conteúdo espremido é por demais vago e "redondo" para merecer desde já contestação, pois "desafios emergentes" e "imperativos de vária ordem" são bengalas do discurso politiquês actual que não leva a lado nenhum.
Mas passemos para o argumento central propriamente dito, que é o da necessidade de uma Escola Profissional no Concelho.
Razões para isso: abandono escolar precoce elevado no concelho e falta de mão-de-obra qualificada para o "mercado de trabalho concelhio".
Sobre isto, alguns reparos:
a) O abandono escolar precoce, de longa data nesta zona, tem origens profundas no défice sócio-cultural e sócio-económico do concelho. O investimento na educação é tido como secundário perante a possibilidade de ganhar uns tustos fáceis a curto prazo numa oficina de bate-chapa ou numa obra de construção civil que não se incomode em empregar quem não deve, pagando menos em troca disso. O abandono escolar também se deve em muito à inoperância dos mecanismos que o Estado tem para fazer as crianças cumprirem a escolaridade obrigatória. Se as escolas da zona não os activam ou as autoridades (policiais, judiciais) os não executam é outra conversa.
b) Não me parece que o mercado de trabalho concelhio seja assim tão exigente na necessidade de técnicos qualificados. Dotar a população jovem do concelho de qualificações para lutarem num mercado de trabalho regional é uma coisa, agora dizer que é uma necessidade das empresas locais é apenas demagógico.
Mas isto não significa que uma Escola Profissional na Moita seja algo dispensável; é apenas algo que não me parece uma prioridade atendendo a que:
a) Nas Escolas convencionais existe a possibilidade de serem criados cursos profissionalizantes de nível II ou III, em articulação com o IEFP, que culminam com estágios remunerados e possibilidades reais de emprego. Há vários exemplos em Escolas de outros concelhos que se poderão apontar.
b) Quem abandona o seu percurso escolar normal, faz isso por desinteresse ou incompreensão individual e/ou familiar quanto ao valor do capital educativo na sociedade actual, altamente hierarquizada com base no tipo de qualificações (excluem-se aqui os construtores civis, claro...). Só parcial e lateralmente a justificação de "a Escola não preparar para a vida profissional ou para um ofício" é verdadeira. Se é verdade, nada impede os jovens de irem procurar cursos desse tipo nos concelhos em volta.
c) O "mercado de trabalho concelhio" é algo que não existe. As miúdas que saem da Escola com o 9º ano ou menos vão trabalhar como caixas no Carrefour ou no Jumbo ou passam metade do seu dia a fumar à porta das lojas do Fórum Montijo ou de outro grande espaço comercial das redondezas. No concelho da Moita, e infelizmente, não existe procura de mão de obra "qualificada" (que tipo de qualificação ?) em quantidade suficiente, a menos que algum estudo que eu desconheça o demonstre.
d) Uma Escola Profissional a sério acarreta uma mobilização de meios técnicos, financeiros e humanos que excede claramente as competências e capacidades da CMM. Aliás, no momento presente, pensar que uma política educativa profissionalizante pode ser definida ao micro-nível concelhio, por mera iniciativa autárquica, é um completo alheamento da realidade.
Mas o texto continua com mais tiradas vagas ou inconsequentes como esta que, na prática, não quer dizer nada:
«A aposta no ensino profissional decorre também da ideia, consensual creio eu, de que o sistema de ensino/formação não pode teimar em continuar isolado, devendo interagir com os mais diversos actores sociais provenientes de outros sistemas (referindo-se os sistemas económico, político, social e demográfico a título de exemplo).»
Mas há pior, muito pior, pois em seguida afirma-se que tudo isto se propõe sem que antes tenha sido feito qualquer estudo que tenha identificado as reais necessidades do concelho:
«Outra questão essencial na criação de um estabelecimento de ensino profissional é o investimento de recursos (sejam eles humanos, estruturais e financeiros) e o que esse investimento teria a ganhar em eficiência e qualidade se sustentado por um processo de levantamento de informação que levasse a uma identificação pormenorizada das reais necessidades do concelho.»
Ou seja, todo o diagnóstico antes feito, aparentemente é feito sobre nada, porque nada em concreto se conhece e é preciso levantar a informação e identificar as necessidades, para já não falar no "auscultar e dialogar multilateralmente, numa fase inicial, com os diversos actores sociais interessados directa ou indirectamente no sucesso do projecto (escolas, famílias, empresários, Centro de Emprego, poder central, etc)", que deve ser meio caminho andado para anos de nada arrancar.
Mas o estranho é que, logo a seguir se afirma e cita o Diagnóstico Social do Concelho, estudo "parceriado"[sic] pela autarquia, que identifica que muitos jovens vão procurar um Ensino profissional fora do concelho.
Mas afinal no que ficamos ?
Há estudos ou não há estudos ?
Estão identificadas ou não as necessidades ?
Há uma caracterização do abandono escolar ou não ?
Existe uma análise das opções feitas pelos alunos do concelho em termos de Ensino Profissional ou não ?
Quantificou-se o sucesso da inserção no mercado de trabalho desses jovens ou não ?
E lá volta o texto ao mesmo limbo de indefinição, que só toca a realidade quando admite que "Nada disto é novo. Nenhuma das ideias apresentadas não foram já defendidas e difundidas."
Então, meu caro, que tal apresentar formas de ultrapassar os bloqueios existentes ?
E que tal explicar que modelo de ensino profissionalizante propõe ?
É para cursos de que nível ? Para alunos com que qualificações prévias ?
É que se é para quem já tenha o 9º ano como afirma, deixa de fora a parcela mais vulnerável dos jovens que escapam ao sistema de ensino sem a escolaridade básica obrigatória.
E vamos esquecer a "prioridade dada à formação practicabilizante" que o meu vocabulário se retorce logo todo. É que aqui no AVP podemos inventar palavras, mas nós somos o que somos, um blog sem maneiras nem etiqueta formal.
É verdade que algo deve ser feito para o progresso do concelho, tem razão, tem muita razão.
O problema é que a solução não passa por textos ocasionais que apenas pretendem validar opções políticas da liderança.
A solução passa por ter feito aquilo que diz que parece não estar feito (ou afinal está, não percebi...), ou seja a identificação clara das necessidades e a definição de um rumo (áreas de formação, sustentabilidade económica do projecto, etc, etc) para a Escola Profissional cuja criação diz ser necessária.
AV1
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