sexta-feira, julho 30, 2004

Moiteiros sobre rodas

Nos últimos tempos tem estado esquecida a nossa componente de análise dos costumes moiteiros, algo que tem profundo interesse sociológico, para além de nos dar muito gozo fazer.
Por isso, voltamos aqui a esse eforço árduo que é tentar descrever e compreender o comportamento dos moiteiros naquelas que, sendo actividades quotidianas, muito revelam da sua forma de estar no mundo, talvez mesmo da sua cosmovisão (se é que sabem o que isso é, pois devem pensar que é um novo modelo de televisão).
Comecemos pelo comportamento do moiteiro de sucesso (aquele que pensa aspirar ao estatuto de novo-rico) no que diz respeito às sua relação com os veículos automóveis, a sua condução e os restantes automobilistas.
a) Relação com o automóvel – em primeiro lugar, moiteiro que se preza de ser alguém tem de ter um carro turbodiesel, quase por certo de marca alemã e em formato carrinha que é para ser maior, ou então um jipe. No primeiro caso, encontramos o reino dos VW (Golf Tdi) e dos Audis (A4, A5, A6, etc, etc), que custam os olhos da cara mas que devem ser comprados e exibidos, mesmo que em casa não se coma mais do que esparguete com molho de tomate (nos dias bons) ou sem molho (nos dias maus) para ser possível pagar a prestação do empréstimo; ninguém em casa muda de cueca toda a semana que é para poupar água e detergente da lavagem, e os cotonetes são substituídos pela unhaca na limpeza de diversos orifícios corporais, tudo em nome da poupança. O carro deve ter todos os apetrechos que, vistos de fora, são sinal de pseudo-status, a começar por tubos de escape prateados e jantes de liga leve. No entanto, apesar do carro ter custado acima de 6-7000 contos, não houve uns miseráveis 300-500 contos para o ar condicionado (não se vê de fora) e então o moiteiro e família são obrigados em tempo de canícula a andar de vidros bem abertos e braços de fora, disfarçando com o gosto de sentir o vento na cara. Quanto aos caso dos que optam pelo jipe, a situação ainda é mais caricata porque o mais certo é nunca andarem com o dito cujo em terrenos que justifiquem um todo-o-terreno, a menos que contemos a subida de passeios para estacionar ou a travessia da avenida da terra em dias de largada (com a areia toda espalhada na via pública) como ocasiões apropriadas para tais veículos. No entanto, ainda no período cavaquista ouviram dizer que ficava bem ter um jipe e, a partir de então, nunca mais quiseram ouvir falar em outra coisa. E sentem-se os maiores.

b) O moiteiro ao volante – o comportamento do moiteiro de sucesso em estrada é um espectáculo digno de figuar nos anais dos programas de vida selvagem da National Geographic. Em sua opinião a estrada é sódele e anda a meio da via, fazendo curvas fora de mão, desrespeitando qualquer sinalização que lhe não dê prioridade e aterrorizando os peões. A velocidade a que transita, seja qual for, é sempre a certa, desde os que andam a passo de caracol atrapalhando todos, aos que apenas conhecem o prego a fundo. O estacionamento é outra pequena maravilha porque não obedece a qualquer critério que não seja o do puro egoísmo; pára-se em qualquer local, mesmo que se atrapalhe todo o trânsito ou se impeça a saída de outros automóveis estacionados. Quando se quer tomar a bica, ou comprar o jornal, o carrinho tem que ficar em frente do estabelecimento (não vá ele fugir), em 2ª ou 3ª fila (se já estiverem lá outros moiteiros). Se é para esperar alguém, o moiteiro pára, abre a porta sem ver se alguém vai a passar, e sai para a via pública, onde fica a olhar para onde pensa vir a companhia; o carro fica com o motor a trabalhar, de porta escancarada e o moiteiro, ao fim de 30 segundos, acende o cigarrinho e fica práli à espera com a maior das descontracções enquanto mais ninguém passa. Quando é mesmo para estacionar, o moiteiro escolhe o lugar vazio mais próximo, aproveitando tudo a começar pelos lugares para deficientes, no que até têm alguma razão, porque não se especifica claramente se esses lugares são apenas para deficientes físicos, ou se incluem todos aqueles com evidente deficiência mental. Quando estacionam em espaços delimitados por linhas, atravessam sempre o veículo de forma a inviabilizar 2 ou 3 lugares que é para ter espaço para passar à vontade. Se alguém estaciona mais perto, fazem o possível por bater com a parte mais aguçada da porta na chaparia do vizinho, ou raspam-na ao sair do estacionamento, sem qualquer drama. Enfim, mostram apenas que são os maiores.

c) Relação com os outros - se alguém chama a atenção de um moiteiro para alguma asneira praticada ao volante, ele (ou mesmo ela) grita, gesticula e diz o maior número de palavrões possível, passando logo para a ameaça de violência física, masmo se for para uma velhota acabada de atropelar na passadeira. Na estrada ou em qualquer via, quando dois moiteiros se cruzam, já sabemos que temos grandes buzinadelas, gestos e cumprimentos que acabam, vulgarmente, com cada um a parar na sua faixa para porem a conversa das últimas semanas em dia, mesmo se isso implica ficar toda a gente à espera. No caso dos semáforos o moiteiro passa sempre que lhe apetece, mesmo que o vermelho já tenha acendido há um bom bocado e buzina selvaticamente se alguém, à frente, não arranca quando se adivinha um verde. No entanto, quando está a conversar ao telemóvel e nem olha para as luzes para arrancar, ofende 32 gerações de parentes de quem ousar fazer-lhe um pequeno sinal para avançarem. Porém, se não reparou que no carro de trás estão vários indivíduos de bom porte, que começam a sair para lhe pedir satisfações, o moiteiro acelera e foge a sete pés/rodas, porque a sua coragem passa essencialmente pela garganta. Em caso de acidente, nunca admite a culpa e passa sempre pelas fases, já atrás enunciadas, da ofensa verbal e ameaça física se o outro automobilista tiver aspecto mais frágil. Quando surgem as autoridades, tenta dizer umas graçolas e perguntar se conhecem o primo que é da GNR, para ver se escapa. Quando lhe pedem os documentos, descobre-se que afinal não tem carta de condução (quando a tem foi obtida grças ao método clássico do chamado «envelope»), que o seguro não está pago (o dinheiro chega a custo para prestação do carro) ou que o carro nem é dele, pelo que os outros é que se lixam. O que apenas prova que eles é que são maiores.

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