quinta-feira, setembro 23, 2004

Esclarecimento... aos esclarecimentos !

Titta Maurício esclarece-nos mas, por carência de tempo, não poderei por enquanto dar resposta apropriada. Para comodidade, vão apenas uns curtos comentários a vermelho em dois em três pontos do seu texto.


Caro Paulo,
Não usando a ordem do seu "esclarecimentos", parece-me justo dizer nem outra coisa eu estava à espera quando lhe apresentei a proposta de aqui se iniciar uma discussão sobre o tema aborto. E, quanto ao pedido para esclarecimento das regras, penso que compreende que me dirigia a outros (e ninguém em concreto) para que haja comedimento e procura de discutir o tema e não de ofender a pessoa!
Quanto às minhas posições... porque é que persiste em dizer que a minha posição é alinhada pela do meu partido e nunca supõe que... quem sabe... talvez... porque não... seja ao contrário?!? Quanto à oportunidade... não se esqueça (e penso que sabe) que a decisão de publicar ou não um artigo de opinião é decidida pelo interesse jornalístico do tema! Bem eu gostaria que fosse ao contrário... mas não é! É bem verdade que pode acusar-me de não deixar de estar a colaborar com esse "sistema"... mas "que fazer"?
Além disso, a abordagem que fiz baseou-se quase exclusivamente em informação recolhida no próprio site do "women on waves"! E isso não vi ninguém fazer: (tentar) desmontar a argumentação delas com base nos dados por elas fornecidos! Mas, pode ter acontecido e eu não ter tido conhecimento...
Mas, deixemos os pormenores.
Eu uso a palavra "aborto" e não o eufemismo "interrupção voluntária da gravidez" que me parece incorrecto. Compreendo a tentativa de dar um ar mais asséptico à coisa, mas um aborto não se trata de interrupção («suspender, parar, deixar de fazer por algum tempo»). Admito que haja uma interpretação mais aproximada daquela que usa, mas há-de reconhecer que a mais usada e adequada é aquela que entende que "interromper" pressupõe um parar com possibilidade de recomeçar... o que, no caso do aborto é manifestamente impossível!
Mas, esta é uma discussão sobre semântica... não é central!
Vejamos sobre o que falamos quando nos referimos a aborto. Conhece descrições dos métodos? Por enquanto, reservo-as para outros momentos! São brutais... são chocantes... são... reais e verdadeiras! E é disso que se trata quando se diz "interrupção voluntária da gravidez" e depois se adopta o completamente anódino "IVG"!
Quanto às imagens de embriões ou fetos, compreendo o que diz... e partilho! Mas, o que mais me impressiona são as incoerências e as "economias com a verdade" que são usadas. Impressiona-me que a adopção de um timming-limite para a liberalização do aborto a pedido seja tido por coisa banal: 10 semanas, 12 semanas, 16 semanas... e nunca explicam o que motiva cada uma destes momentos!
Impressiona-me que raramente ouça do lado dos "pro-life" (e uso o termo por facilidade de identificação) qualquer invocação de motivos de fé... mas que a questão da fé seja sempre invocada pelos "pro-choice" para acusar os outros!
Impressiona-me que se usem argumentos de facto só possíveis numa sociedade pré-pílula e se esqueça que, como todos os defeitos que existam nos métodos em concreto e no sistema de saúde ambolatório, não há possibilidades de tratarmos esta questão como (admito) ela poderia ser vivida há 30 ou 40 anos atrás!
Impressiona-me que o argumento seja o "baixa-bracismo" (adoro estes neologismos!), o dizer-se que, mesmo havendo uma desvaloração ética do acto (ninguém o afirma como Bom - até são apontados o sofrimento e o trauma de quem os faz), o facto de haverem muitos (e isso é bem discutível), justifica-se a sua permissão legal! Não aceito este demissionismo...
Impressiona-me que (aparentemente) desconheçam que um embrião com 8 semanas já sente... mas que o seu sistema nervoso só está completo quando a criança tiver completado... 2 anos de nascimento!
Impressiona-me que queiram tratar uma fase (intra-uterina) da vida de um ser humano como um momento neutro, como um facto puramente desprovido de consequências e valoração ética. Preocupa-me até onde nos levaria esta "coisificação" da vida humana.
Impressiona-me que desconheçam que a moderna ciência médica, pedo-psicologia e demais ramos da ciência ligados à área tomem a gravidez como uma fase da vida humana como o são a adolescência ou a velhice (a única diferença está na autonomia... mas do mesmo modo que não admitimos como eticamente aceitável que uma mãe abandone um filho à morte - porque ele dela depende para se alimentar e sobreviver - não compreendo como se pretender remover a valoração ética-negativa quando o acto é praticado num momento de maior dependência do filho para com a mãe)!
Impressiona-me que acusem os "pro-life" de quererem impor uma concepção ética (e escondam que ela é maioritária e aceite) e que escondam que por detrás das propostas "pro-choice" há uma outra ordem moral que pretendem implantar! Irrita-me que digam (com laivos e ares de certezas) que eu estou errado porque pretendo impôr a minha Moral (!?!) e eles só propõem a escolha livre!
Impressionam-me outras coisas... mas a seu tempo poderão ser tratadas!
Quanto à actuação do ministro da Defesa, há um pequeno equívoco: o uso dos meios militares jamais poderiam sê-lo «ao serviço de convicções pessoais de alguns». E por não o poderem ser... não foram!
Por duas razões:
- primeira, não sei quais as convicções pessoais do Dr. Paulo Portas sobre esta matéria [o homem está farto de falar dos valores da família - NE]. Eu nunca as discuti com ele... e o Paulo?
- segunda, porque a actuação do Governo português apenas serviu para fazer cumprir (e impedir a violação) as regras que legitima e democraticamente vigoram em Portugal! Diga-me o seguinte: imagine que a maioria era "pro-choice" e estava no governo e mantinha-se a actual lei. Se a sua actuação fosse diferente (ou seja, se permitisse e apoiasse a vinda do "Borndiep" e apoiasse a sua acção - e até desse um "subsidiozinho" às organizações que defendem a violação da lei), não seria, ela sim, a utilização do aparelho do Estado ao serviço de convicções particulares e não compatíveis com a lei em vigor?
Quanto às suas insinuações quando diz «em especial de quem apregoa (e não os pratica, perpetuando-os) os valores e costumes da família conservadora», só posso dizer: o que é que quer dizer com isso?!? É comigo [Não, nem sei como é a sua família - NE] ? É com Paulo Portas [É!!!]? Sabe de alguma coisa ou está a juntar a sua à voz das bocas do costume [Conheci muita malta do Indie nos seus primóridos] ? Explique...[Não é o sítio apropriado]! De qualquer maneira, penso que uma discussão sobre um assunto como este não pode ter "àpartes" que apontem ao indivíduo! Destesto a argumentação da "hipocrisia dos católicos", "dos que têm dinheiro e vão fazer abortos a Inglaterra", etc.
Já no que diz respeito aos valores e costumes da família conservadora (acredito que utiliza o termo não como adjectivo), permita-me que lhe aguce a curiosidade: da mesma maneira que vamos adequando e apurando as nossas certezas à medida que vamos experimentando a Vida (p. ex., olhando para as imagens da ecografia), assim acontece com o resto! Os valores (não gosto da palavra) e costumes da família conservadora não resultam de um plano central ou individual... Nem sequer resultam da vontade de uma geração num determinado momento histórico... Muito menos são a emanação super-estrutural dos donos da infra-estrutura! E muito menos são estáticos nem imutáveis! Acredito que são o produto da adaptação aos meios e às realidades (diferentes no tempo e no espaço), mas que mantém um substracto que é inerente à natureza humana e que responde, de modo mais eficaz, ao problema da Vida humana!
O comentário já vai longo... espero que cumpra os objectivos!

João Titta Maurício

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