domingo, janeiro 30, 2005

Cobardia Fiscal

Há um par de dias na RTP1 debatia-se economia e finanças, com destaque para a discussão em torno do desempenho do nosso aparelho fiscal. Os impostos em atraso de Santana Lopes em vésperas de ir para Primeiro-Ministro e a velha discussão sobre o incumprimento fiscal dos clubes reabriu as feridas em torno da ineficácia, incapacidade ou incompetência da nossa máquina fiscal detectar os incumprimentos e conseguir a recuperação dos impostos por pagar (veja-se a primeira página do Correio da Manhã de ontem).
Eu discordo em parte deste diagnóstico que já é um lugar-comum, pois acho que se existe incompetência, ela é entremeada com muita preguiça, rotina e cobardia e que, com a mesma quantidade de meios humanos seria possível fazer muito mais, se aumentasse a sua qualidade e a sua atitude.
Porque o digo ?
Porque a mim sempre me detectaram as mais pequenas falhas nas declarações de rendimentos, em especial as que não foram por mim cometidas.
Exemplificando:
Há uns anos mudei de casa e como cidadão estúpido, cumpridor das regras, fiz o anexo com a declaração das mais-valias da venda da casa anterior (devo ter sido uma das 17 pessoas que o fizeram nesse ano, pois não conheço pessoalmente mais ninguém que o tenha feito), tendo no ano seguinte declarado a aplicação dessas mesmas mais-valias na aquisição de nova casa.
Ora, na santa repartição de finanças da Moita, alguém se esqueceu (ao checar a minha declaração) de assinalar correctamente que eu entregara o anexo G, tendo achado mais divertido assinalar o dos benefícios fiscais.
No ano seguinte, fui chamado para ter uma inspecção à minha situação, visto ter declarado benefícios fiscais e não ter apresentado a respectiva documentação. Claro que se desfez o erro quando mostrei o duplicado do anexo G e se percebeu o equívoco, mas lá fui passado a pente fino.
Um ano depois, foi a vez de alguém inserir incorrectamente a minha declaração em papel no sistema informático, esquecendo-se da minha declaração de aplicação das mais-valias, pelo que recebi uma intimação para repor a quantia de impostos devida por essas mesmas mais-valias.
Nova ida às Finanças, nova amostragem de documentação, necessidade de recorrer para a DGCI em Lisboa onde já se encontrava a minha declaração, perto de um ano antes de tudo se esclarecer e se detectar a responsabilidade dos serviços fiscais no erro, logo a tempo de entrarmos em novo conflito sobre a contribuição autárquica (a cujos pormenores vos vou poupar, resumindo o problema dizendo que os serviços voltaram a detectar um erro cometido pelos próprios serviços, do qual me tentaram atribuir a culpa).
Por isso...
A nossa máquina fiscal é perfeitamente capaz de detectar anomalias e (no meu caso, aparentes) incumprimentos no pagamento de impostos.
O problema é que se acomoda em perseguir os pequenotes trabalhadores por conta de outrém, preferindo fechar os olhos aos grandes e às empresas, que se sabem defender melhor e que, quando necessário, arranjam com que “olear” o processo.
É pura e simplesmente incredível que figuras de destaque escapem ao pagamento de impostos por incapacidade do aparelho fiscal os “caçar”.
A verdade é que os pequenos peões (leia-se funcionários) do Fisco não estão para ir atrás dos grandes bispos, torres, reis e rainhas (leia-se figuras públicas da política e da economia) porque acham que recebem pouco, que não têm o devido apoio das chefias e porque acham que o dinheiro não é deles.
Mas, quando o pretenso prevaricador está à mão de semear e aparenta não ter meios de defesa, saltam-lhe logo em cima.
É apenas cobardia, falta de carácter e ausência de sentido de dever e justiça.
O resto são desculpas de mau cobrador.

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