sábado, janeiro 29, 2005

Contributo de Germano Filipe

Após desafio nosso no seu blog para nos voltar a presentear com um poema de sua autoria, Germano Filipe mandou-nos de Londres a seguinte mensagem, que muito agradecemos, prometendo que vamos tentar transmitir os seus votos ao Leonel Coelho:

Olá camaradas,

Só há pouco tempo reparei no vosso comentário a um dos meus posts e muito me admirei que estivessem interessados neste poeta de meia-tijela. Deve haver sem dúvida malta com fartura nesse Alhos Vedros do descontentamento permanente para produzir poesias com liras melhores e mais adequadas ao espírito local e menos fúnebres ou sarcásticas que as minhas. De vez em quando dou uma volta pelo vosso blogue para ver como é que as modas param ou rever as ruinas históricas com um click, e fico surpreso com o que vejo - tanto no aspecto da qualidade como no entusiasmo dos seus organizadores. Não fica a dever nada ao melhor que por aí há. Que pena não haver nada disso quando eu, triste revolucionário enganado e enganador, andava por aí a arrastar o cú pelas pelas esquinas, a ver passar a aristocracia operária caminho-ferreira, muito aperaltada, de gravata sombria e sapatinho polido, direitinha à estação ou a fugir dela no fim do dia. Infelizmente, os poucos nomes que lobrigo no blogue não me dizem nada. Seria talvez diferente se visse as caras a que pertencem e puzesse a memória a trabalhar. A única pessoa que conheço é o Leonel Coelho, homem que tinha o condão de me fazer rir, na saudável acepção da palavra, com o grande bónus de ser um homem de esquerda. Espero que ele se sinta de excelente saúde. Passem-lhe este recado, se puderem. Infelizmente, não posso subscrever a opinião romântica que ele ainda parece manter acerca deste mundo sacana, muito embora a respeite. Hoje sou um cidadão do mundo que abriu o terceiro olho da testa que enxerga a manta que cobre o poder real que nos faz andar à cabeçada uns contras os outros. Segue um dos meus lamentos em verso. Abraços para todos do Germano.


EVOLUÇÃO DO HOMEM REVOLTADO

Há amor e ódio quando a gente se apronta
Em novo, com a vontade que chega nesse dia,
Para mostrar que basta sofrer em demasia
A dor continuada duma iniqua afronta.

Depois vai-se em frente de punho cerrado
E grita-se em pano de côr os nossos ideais
E damos as mãos e braços aos demais
Deixando para trás o espírito isolado

Entra-se a gritar, pede-se reforma, calma,
Puxa-se, treme-se e sente-se sangue a ferver.
Depois, esse desejo de saborear o poder
Começa a açenar o lenço branco da alma.

E ganhamos novos amigos na ressaca,
Sobe-se e desce-se na vida de escolher,
Ganhamos diferentes maneiras de ver,
Uma camisa nova, talvez outra casaca.

E a seguir os dias são de fumo e medo,
De respirações arfantes bem-caladas,
De ambições mortas, de águas estagnadas,
De sombras perdidas entre o arvoredo

No túmulo o corpo é deixado de lado
Mas a alma livre do nós agora falecido
Re-entra a carne dum novo perseguido
Pelo crime dum amanhã esperançado

A verdade assume o peso da negação
Da vida que é preciso manter equilibrada
Entre esta relidade inocente e descuidada
E o amanhã da carne-transmutação


Germano Filipe - Londres, 14/10/04

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