domingo, março 20, 2005

Visões do Operariado II



Mudam-se os tempos, mudam-se os olhares.
Em Junho de 1991, a revista K apresentaria no seu nº 9 um outro tipo de análise do operariado em Portugal, com toda uma outra estética e uma outra perspectiva, a cargo de Maria Filomena Mónica.
Longe do desejo de conhecer as características sociológicas do operariado enquanto classe, de as medir e caracterizar nos seus traços globais, agora o olhar que predomina é de tipo antropológico, diria que quase turístico, e preso ao detalhe da observação de um grupo social que se revela praticamente moribundo. A base do artigo é uma visita ao Barreiro e ao que então ainda era a Quimigal, sendo os operários vistos como seres em vias de extinção. Fiquemos apenas com dois excertos, um sobre o chamado "bairro da CUF" e outro com as reflexões sobre a espécie observada:

«Uma torre atarracada, encimada por um enorme relógio fabricado na casa Paul Garnier, em Paris, evoca a antiga disciplina, quando os operários, escolhidos a dedo pela administração, se levantavam de madrugada antes de descerem às oficinas. Com as suas janelas ornamentadas, com as suas portas modestas, as suas ruas estreitas, as casas trazem à memória os posters salazaristas, em que um trabalhador de fato-macaco eternamente se despedia de uma esposa sorridente, entre vasos de sardinheiras.» (p. 33)
[Conheço os posters em causa e o bairro da CUF nunca me lembrou tal, bem como as suas ruas estão longe de ser estreitas ou as janelas, em 1991, estavam vagamente ornamentadas.]

«A velha comunidade dos ferroviários, dos trabalhadores da CUF e das lutas épicas está condenada. Excepto alguns intelectuais românticos, ninguém verterá lágrimas. os jovens do Barreiro perderam em segurança o que ganharam em liberdade. As amarrras com o passado foram cortadas; resta saber se terão para onde ir.» (p. 44)
[Não terão sido só alguns intelectuais a verter lágrimas, mas muitos dos que lá trabalharam e, por finais dos anos 80, foram empurrados para fora dos seus empregos, para aposentações antecipadas, mal defendidos pelos sindicatos, para que a Quimigal pudesse ser privatizada de forma vantajosa para os novos/velhos donos.]

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