Ignorância – algo de que o moiteiro, estranhamente ou talvez não, se orgulha com toda a bravata imaginável. É verdade, o moiteiro gosta de ser ignorante e vangloria-se disso sempre que é confrontado com o facto. Para ele a Cultura são os bois, as largadas, o Tony Carreira, a Mónica Sintra e o Steven Seagal ou o Stallone se estiver numa de mais intelectual. Ler, lê A Bola ou o Record e com esforço o Correio da Manhã. Livros, valha-nos Deus, ficaram para trás na Preparatória ou na Secundária. Ler livros é coisa que o moiteiro acha que só fazem os “eruditos”, categoria para que guarda o mesmo desdém que para os “pretos”, os “ciganos” e os “paneleiros”, tudo gente indesejável. Sobre Política, o moiteiro comum sabe o básico: deve votar no PC para a Câmara e no PS para o Governo; o moiteiro assim mais avançado é capaz de chegar a votar no PSD porque ouviu dizer que é um partido “reformista” e, portanto, pensa que defende as reformas. Em matéria de Educação, o moiteiro orgulha-se de ter repetido 2 vezes na Primária, outras 2 na Preparatória e umas 3 ou 4 – já não m’alembro – na Secundária, até que foi trabalhar com 18 anos e o 8º ano incompleto. Primeiro como bate-chapa ou nas obras ou, no caso dos mais “langões” como GNR; quando foi preciso mostrar o diploma do 9º ano entrou naquele esquema conhecido de se inscrever nas aulas à noite, nunca lá aparecendo e pagando “por fora” a alguém conhecido que arranjasse o raio do “papel que não serve para nada”. Se o filho vai pelo mesmo caminho e está com 15 anos no 5º ano, não há problema, que ele passou pelo mesmo e foi assim que se fez “um homem”. Quanto a conhecimentos gerais sobre o mundo, o moiteiro é daqueles que ainda tem uma pontita de dúvida sobre a ida à Lua, acha que a história da “camada do azoto ou do ozónio” é uma grande treta e está convencidíssimo que se apanha Sida por olhar e cumprimentar um homossexual mas não por ir “às meninas” e exigir que quer tudo ao natural. Uma conversa típica do moiteiro tem que incluir sempre umas diatribes contra o Governo e “essa cambada de sacanas que nos está sempre a lixar com um grande F”, vários comentários aprofundados sobre a realidade benfiquista com uns elogios à técnica subtil de desarme do Petit à mistura, e umas apreciações sobre as fêmeas da espécie circundantes ou meramente andantes, tudo sempre em tom quatro níveis acima da fala de uma pessoa normal. Tudo porque o moiteiro acha que o saber ocupa efectivamente lugar e a cabeça dele não está para se ocupar com “essas porcarias”.
Sabastião Cepa-Torta
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