terça-feira, abril 24, 2007

25 de Abril de 1974-O Acontecimento

25 de Abril de 1974 – O Acontecimento


Os acontecimentos do dia 25 de Abril de 1974, na sua natureza essencial mais objectiva, tomaram a feição de um golpe de estado de cariz militar, com os objectivos de substituir a elite política no poder e de alterar os principais aspectos do regime em vigor, no sentido da sua liberalização e da eliminação do seu aparato repressivo autoritário.
Cerca de uma semana depois, nas manifestações populares massivas do dia 1 de Maio de 1974 (declarado feriado pelos novos governantes), a anterior caracterização já se encontrava ultrapassada em virtude da fortíssima movimentação social em decurso que, em grande parte de forma espontânea mas também com algum enquadramento por parte de algumas forças políticas e sociais, começaria desde cedo a pressionar os novos actores da situação política emergente no sentido do alargamento do programa inicialmente previsto pela coligação de motivações que dera origem ao Movimento dos Capitães.

«(...) mais do que no dia 25 de Abril, será no dia 1 de Maio que se poderão encontrar factos comprovativos dos termos do contrato político entre o MFA e a mobilização popular, não só nas grandes cidades como um pouco por todo o país.» (J. Medeiros Ferreira, Ensaio Histórico sobre a Revolução do 25 de Abril, Lisboa, 1983, p. 36)

Esta tensão entre o programa inicial do Movimento - que na sua formulação de mínimo denominador comum, era relativamente neutro do ponto de vista ideológico e minimal no plano de reformas previsto – e os imprevisíveis efeitos da agitação social que se começava a avolumar, fez-se sentir de forma determinante ao longo dos dois anos que se seguiram, deixando sequelas directas até ao início da década de 80 e levando ao gradual f(r)accionamento entre os diferentes grupos que tinham constituído o MFA (e os seus apoios na sociedade civil e no nascente sistema partidário) quanto a orientação a dar ao que já se adivinhava vir a ser uma revolução política e social.
Em termos individuais, a polarização maior aconteceria entre dois dos três principais protagonistas do 25 de Abril, ou seja, entre Otelo Saraiva de Carvalho (o estratega do movimento) e António de Spínola (a figura tutelar desse mesmo movimento), já que o operacional de serviço, Salgueiro Maia, procurou sempre manter-se afastado do primeiro plano das disputas pelo poder, latentes desde os primeiros dias do novo regime.

«Na noite de 25 para 26 desenrolam-se, porém, os primeiros confrontos entre Spínola e os seus fiéis, por um lado, e os oficiais que haviam coordenado as operações de derrube do regime e se assumiam como os dirigentes do Movimento, por outro. Aqueles procuravam apoderar-se do comando dos objectivos conquistados, enquanto Spínola se recusava a aceitar a inclusão no Programa do MFA do reconhecimento do direito dos povos à autodeterminação.» (A. Reis, Portugal – 20 Anos de Democracia, Lisboa, 1994, p. 18)
Enquanto o sector do MFA ligado a Spínola tinha uma agenda política moderamente reformista que não pretendia a completa dissolução do aparelho de Estado (polícial, político, administrativo) herdado do Estado Novo, o sector mais “progressista” em termos ideológicos, rapidamente procuraria fazer avançar a situação para um processo revolucionário mais profundo. Se o final da Guerra Colonial era uma prioridade absoluta, a solução a adoptar para a relação com os territórios ultramarinos não era consensual, oscilando-se entre o federalismo spínolista com concessão de autonomias relativas a alguns territórios e um rápido e puro processo de descolonização por via da completa autodeterminação de todas as colónias. Se a liberalização era outra prioridade, a modalidade do regime a adoptar era outro ponto de discussão, existindo apenas um terreno comum numa concepção de democracia parlamentar vaga, que tanto podia ir de uma versão conservadora (em que o PC e as tendências mais esquerdistas não eram perfeitamente bem-vindas) a uma versão democrática socialista popular (em que todas as tendências não marxistas sofriam o risco de exclusão).
O resto do ano de 1974 e 1975 passariam na
Indefinição
Luta pela predomínio.
Solução intermédia, proposta pelo grupo dos 9.

De qualquer modo, o golpe militar/revolução de 25 de Abril de 1974 foi um momento único de deposição de um regime mantido longamente graças à inércia e receio da maior parte de uma nação adormecida, incapaz de se mobilizar de forma eficaz contra a ditadura, fora de esferas oposicionistas restritas, fossem elas de matriz republicana (mais elitistas e intelectuais) ou comunista (mais enraízadas no tecido social de parte do país).
Resolvido de uma forma globalmente pacífica, o golpe militar despertaria uma energia longamente adormecida na generalidade do povo português, que aproveitaria a novidade de uma liberdade que quase ninguém experimentara no seu tempo de vida para se expressar de forma festiva e vibrante, quando ainda não se conhecia exactamente em que direcção a Junta de Salvação Nacional iria conduzir o novo regime, a que formas de legitimidade recorreria e que projectos tinha para o futuro, a curto ou médio prazo.
Claro que existe uma diferença abissal, apesar dos pontos de contacto, entre a forma como foram vividos esses tempos por parte dos principais protagonistas de topo dos acontecimentos, da generalidade da população, enquanto multidão nas ruas, ou por cada um dos indivíduos na sua esfera privada de aspirações e/ou receios.
Os primeiros disputavam o controle do Poder, enquanto os últimos procuravam perceber de que forma a sua vida se iria alterar e melhorar com a nova situação. Enquanto massa com uma dinâmica e características colectivas próprias, as multidões representavam, por um lado, a manifestação pública das aspirações comuns da maioria da população mas, por outro, o instrumento privilegiado para a manipulação por parte das diversas facções do novo regime e um campo de batalha político indirecto.

No entanto, na última semana de Abril de 1974 viveu-se um momento único e praticamente irrepetível, de alegria espontânea e ainda não enquadrada por nenhum tipo de estruturas políticas que, na tentativa de a capitalizarem, a viriam a desvirtuar e instrumentalizar pouco tempo depois.
Nessa semana, a alegria transbordou e foi vivida por quase todos sem preocupações do que o futuro reservava, apenas com o prazer da sua própria fruição.
A partir do 1º de Maio, na sequência dos regressos do exílio de Mário Soares e de Álvaro Cunhal e das movimentações de bastidores para a constituição de partidos políticos destinados a enquadrar as diferentes correntes de opinião em formação na sociedade portuguesa e as diversas formas de sentir o futuro do país, a espontaneidade irá cedendo gradualmente e a mobilização popular irá ser “organizada” cada vez mais de acordo com interesses que obedeceriam a lógicas da luta pelo poder ao nível do topo.É a partir desse momento que começam as disputas sobre o verdadeiro sentido dos acontecimentos de 25 de Abril de 1974, disputas essas que seriam desenvolvidas tanto ao nível da luta pelo Poder herdado, como da luta pela construção da Memória do que tinha ocorrido.

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