I – O elogio das maiorias relativas
Num momento em que se discute, de novo, a necessidade de governar em maioria (absoluta) para existir estabilidade política no país e para ser possível desenvolver políticas reformistas consequentes, quero aqui deixar bem claro que sou, no nosso contexto, claramente apologista das maiorias relativas e dos governos que deles resultam, sejam unipartidários (minoritários no Parlamento) ou de coligação (chegando por essa via à maioria parlamentar).
Dizem muitos senhores mais doutos que eu nestas matérias, que os grandes partidos dos sistemas políticos devem ter a possibilidade de, sem entraves, colocarem em prática o seu programa e, ao fim do seu mandato, serem avaliados pela sua governação.
Em tese, concordo. Na prática, e muito em especial na nossa prática portuguesinha, discordo com unhas e dentes de tal situação.Defender a necessidade de maorias absolutas, de sinal (aparentemente) alternativo seria, no essencial, tornar o nosso sistema bipartidário e baseado na lógica do voto útil, pois tornaria irrelevante a existência de forças partidárias alternativas às que demonstram capacidade para atingir a maioria. Seria a americanização do nosso sistema eleitoral, no que a democracia americana tem de menos límpido.
Esta lógica, mais do que facilitar a acção dos governos ou conduzir a uma clarificação da vida política e das propostas dos dois grandes partidos que temos, levaria Portugal para o Centrão do Bloco Central porque, governando em maioria, esses grandes partidos tenderiam naturalmente a desvalorizar as propostas provenientes dos extremos do espectro político, as quais são, por norma, as que separam as águas e apontam para caminhos e objectivos claramente distintos.
O PS e o PSD sozinhos terão tendência a espraiar-se para o centro e para áreas políticas que lhes são comuns (uma gloriosa, msmo se lamacenta, terceira via, desideologizada e meramente pragmática). Mas, se necessitarem do apoio das forças políticas, respectivamente, à sua esquerda e à sua direita, serão naturalmente obrigados a afastar-se desse centro, onde tudo se confunde e os interesses se instalam, imunes à mudança político-eleitoral e todo-poderosos na sua manipulação de políticos de parcas convicções, e a adoptarem uma postura clarificadora. Sendo avesso a consensos cinzentões sou, em contrapartida, favorável à necessidade de estabelecimento de compromissos na definição das grandes políticas estruturantes da governação (Saúde, Educação, Justiça, etc) que devem ser claras e encostadas, em alternativa, à esquerda ou à direita e não ao centro como a lógica bipartidária acaba por conduzir na sua prática corrente. Eu defendo, portanto, uma bipolarização e nunca uma bipartidarização pois aquela leva à necessidade de acentuar o que é identificador de cada lado do espectro ideológico, enquanto esta conduz à diluição das diferenças e a soluções de continuidade, mascaradas de mudança.
Esquecem-se ainda muitos dos que agora clamam pela maioria absoluta as críticas que fizeram às maiorias cavaquistas, que qualificaram como crescentemente autistas e desrespeitadoras das minorias oposicionistas. Agora, por conveniência, apelam a uma nova maioria, porventura de sinal contrário, mas que não apresenta garantias de ser menos arrogante.
Sou, e para terminar por agora, ainda mais avesso a toda e qualquer manobra administrativa que tenda a transformar maiorias eleitorais relativas em maiorias parlamentares porque, para mim, isso equivale a uma fraude. Colocar a governar sem grandes entraves institucionais uma força política que tenha atingido 35-40% dos votos expressos é-me completamente repugnante e, na essência, anti-democrático, pois existe uma maioria de cidadãos (já para não falar nos abstencionistas) que não se sentem representados pelo Poder. Se a Democracia é o governo da maioria, por que diabo querem torná-la o governo de minorias ?
As maiorias devem ser obtidas nas urnas, e não graças a mecanismos que distorçam a proporcionalidade do sufrágio. Se é difícil viver em Democracia, a solução é o esforço, não o artifício; a solução é a legitimidade eleitoral, não a artimanha cosmética.
E, o mais triste em tudo isto, é que pessoas que deviam perceber os perigos destas tendências para a engenharia eleitoral, começam a deixar-se seduzir por argumentos cujo brilho exterior esconde o seu obscuro interior.
E, igualmente muito triste, é verificar que cada vez menos de nós, cidadãos comuns, se importam sequer com tudo isto e cada vez são menos os que se dão ao trabalho de desmontar os discursos que nos apresentam e ver o outro lado do espelho, onde se escondem os mecanismos que regem as marionetas palradoras que a televisão nos faz entrar pela casa dentro.
António da Costa, aos 9 de Janeiro de 2005
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