segunda-feira, outubro 24, 2005

Sinceramente, não me interessa...

... o que este governo ou o próximo venham a fazer em matéria de regulamentação das nossas futuras aposentações.
Não estou a ser irónico, vaidosamente blasé ou apenas parvo de todo.
Já explico o que digo, porque o digo e há quanto tempo o digo.
Tudo indica que me falte, no mínimo, um quarto de século de trabalho, pelas medidas actuais.
Tenho 40 anos, é só fazer as contas.
Mas trabalho de forma remunerada desde Março de 1987, o que na altura acumulava com a frequência de um Curso de Formação Profissional do mítico Fundo Social Europeu, onde estava desde Janeiro desse ano.
Significa isto que em 2030, quando fizer os 65 (e a idade de reforma já tiver subido aí para os 68 ou 70), terei um carreira contributiva de 43 anos e não terei muito a dever ao Estado, pois até hoje estive apenas duas vezes de "baixa" e nem gozei todos os dias a que tinha direito de licença de paternidade, por conveniências de serviço e simples estupidez minha.
Até hoje já estive desempregado por duas vezes cerca de 6 meses (nunca recorrendo ao Fundo de Desemprego, porque sempre achei deprimente o que era necessário passar para receber umas migalhas quando já não eram necessárias) e exerci umas 5 ou 6 actividades diferentes, por vezes em acumulação. Como trabalhador por conta de outrém não tenho forma de fugir ao fisco e como trabalhador independente, por curiosidade a isso fui obrigado para prestar serviços ao Estado em duas ocasiões, sempre cumpri as minhas obrigações fiscais, o que várias disputas com as Finanças nos últimos anos provaram à saciedade (desde uma inspecção causada por um erro de um funcionário à necessidade do Estado me devolver quantias indevidamente retidas).
Devo ser dos poucos anormais que, há uns anos, teve o cuidade de declarar as mais-valias com a venda de uma casa.
Por isso e porque não sou apoiante do Bloco Central em nenhuma das suas manifestações, estou à vontade, quando se trata de desancar o Poder Executivo quando se encarrega de maltratar os contribuintes e os trabalhadores e funcionários normais.
O que está a ser feito, em nome do equilíbrio orçamental, contra algumas regalias sociais e direitos teoricamente adquiridos é, mais do que uma injustiça, uma tristeza, porque revela a incapacidade e rendição do Estado para assegurar o seu papel redistributivo e regulador na sociedade.
O que é pena é que o nosso Estado-Providência nem durou uma geração e entrou logo em colapso. Mas, e apesar de alguns abusos (quantas pessoas em 75/76 não declararam terem trabalhado tantos e tantos anos - muitas vezes, como falsas "domésticas" ou até emigrantes que nem cá tinham estado -, para poderem receber uma pensão mínima, para isso apenas precisando de uma declaração de alguém a admitir ter sido seu empregador) , a inevitabilidade da sua decadência não me parece que seja algo impossível de travar.
A verdade é que, e isto são factos recentes e não demagogia, se os governantes atacarem onde devem, podem recuperar muito dinheirinho mal-parado e fugido ao fisco por quem pode. É só ter a coragem de comprometer hipóteses de emprego posteriores ao desempenho de cargos públicos. Claro que é difícil ir atrás de quem nos pode vir a dar bom pão ou já o dá a quem nos precedeu.
Mas enfim...

Mas retomemos as minhas inúteis reminiscências.
Depois do calvário passado na nossa região com os problemas vividos na Lisnave, Siderurgia e Quimigal, que presenciei - como muitos de nós - em directo, na primeira metade dos anos 80 e depois com as reformas antecipadas de muita gente nossa conhecida ou familiares, passei a considerar que a minha última preocupação em termos de trabalho seria a da reforma.
Sempre achei que, quando começasse a pensar na reforma, já estaria a encaminhar-me para a "cova".
Mas esta forma de pensar sempre foi muito atípica, pois lembro-me, por exemplo, do que muitos dos meus colegas nos tranportes públicos, ainda com vinte e poucos aninhos, já planeavam reformar-se com décadas de antecedência.
Vou referir apenas dois casos, omitindo a identidade concreta de alguém que certamente muitos conhecem.
No caso do A., lembro-me como desde muito cedo sempre procurou um emprego na Função Pública - local ou central - o que conseguiu ao fim de bons anos e da recusa de outras hipóteses no sector privado, pois sempre achou que seria na FP que teria melhor protecção social e mais regalias. Nos anos 90 ia tendo razão, mas agora já deve estar mais desanimado.
No caso do J., que me acompanhava em parte do trajecto que eu fazia no fim dos anos 80 para o meu local de trabalho da altura, o objectivo central era tornar-se professor e iniciar a contagem decrescente para a reforma. Aquilo metia-me, aos 24 anos, imensa confusão, porque não percebia aquela obsessão com tamanha antecipação do futuro, que eu sempre considerei inseguro e impossível de prever a mais de umas semanas ou dias de distância (com sorte!).

Quinze anos depois, estamos todos empregados, cada um no seu sítio, cada qual com os seus problemas.
Mas, na prática, todos vulneráveis ao arbítrio dos exercícios contabilísticos do Ministério das Finanças no que se refere ao que irá acontecer num futuro mais ou menos distante.
Ninguém sabe, neste momento, o que se poderá vir a passar daqui a 5 ou 10 anos em matéria de Finanças Públicas e de Segurança Social.
Nenhum dos direitos adquiridos há 30, 20 ou 10 anos está garantido e a tendência não é para melhorar.

Por isso, é natural o desânimo de muita gente, mesmo com emprego garantido.
Por isso a desmobilização é enorme, porque se sente que as promessas são meros exercícios retóricos.
Por isso, é natural a desorientação perante a insegurança com que é pintado o futuro.
Cada um anda cada vez mais enfronhado na sua vidinha, progressivamente com menos vontade de reagir, quanto mais de agir.

Por isso, restam apenas réstias de indignação quando vemos quem afirma lutar em defesa dos nossos direitos, depois agir de uma forma pouco conforme ao seu discurso.
Mas eu percebo essas pessoas, que não estão para pasar pela insegurança a que os outros estão predestinados.
A coerência nos dias que correm tem limites e esses limites são cada vez mais curtos e cada vez menos são ditados por ortodoxias ideológicas.
Dizem que se chama a isso pragmatismo.
Acredito.
Só que a mim já nem há pragmatismo que me pareça vir a valer.

AV1

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