quinta-feira, dezembro 22, 2005

Questões legítimas sobre mobilização popular



De um comentário no EcosMoita:

«np said...
Ninguém duvida dos processos confusos que explicam o estado de degradação a que o palacete do Largo do Descarregador chegou. No entanto não me parece que existam razões nem suficientes nem válidas para assistirmos todos/as impávidos e serenos à decadência do património cultural de Alhos Vedros. A verdade é que do ponto de vista jurídico (e político) existem motivos mais do que sólidos que viabilizariam uma expropriação por interesse público, caso o palacete ainda se encontre na mão de privados (nos dias de hoje poucos são os que conhecem realmente a verdade dos factos...), mesmo que minutas, protocolos e descrições prediais se tenham afundado no poço sem fundo da incompetência. Quanto à existência ou não de orçamentação para a sua reconversão e para o moinho-de-maré é uma questão complexa mas que seria sem dúvida ultrapassada caso a população de Alhos Vedros (e sublinho: e não só) se mobilizasse de facto para esta causa. Impossível?... Gostaria de ter a certeza. »

O meu comentário a estoutro belo comentário foi que:

«Não acho impossível a mobilização.Apenas acho que as várias "mobilizações" feitas em Alhos Vedros foram rapidamente instrumentalizadas e esvaziadas de espontaneidade ou então foram meramente ineficazes por causa do berro inflamado e da falta de propostas concretas.Veja-se, para o primeiro caso, a tentativa de manifesto em prol da Capela da Misericórdia e, para o segundo, o fecho do serviço de 24 horas de urgência do Hospital. É só aparecerem os figurões do costume e pluffff...»

Aqui gostaria de acrescentar mais o seguinte:
A situação do velho palacete, da sua posse e tudo o mais, por muita confusa que seja, seria certamente resolúvel pelo poder autárquico se estivesse interessado nisso.
A verdade é que sempre conheci aquele espaço ao abandono, assim como as intervenções no Largo do Descarregador (a própria toponímia oculta as raízes históricas do espaço puxando-as para o século) nunca foram de molde a dignificá-lo e a fazer sobressair a sua memória.
Se forem pedidas autorizações para instalar oficinas em todo o seu redor, certamente que as haverá.
Agora intervir de forma articulada naquela área, dando consistência ao conjunto, através da recuperação do palacete em conjunto com o moinho de maré e a limpeza das águas do Cais (para quando o raio da ETAR?), isso parece claramente fora das cogitações dos poderes instalados.
Quanto à mobilização da população de Alhos Vedros, temos um problema ou mesmo mais.
É que quem conhece a forma de pensar da generalidade das pessoas que viu a vila ir ficando para trás nos anos 40, 50, 60 e 70, encara estas questões como menores, pois passou a associar o desenvolvimento ao casario e comércio da Baixa da Banheira a partir do final dos anos 60, assim como vê certos espaços da vila e das zonas verdes e ribeirinhas em seu redor com alguma nostalgia, é certo, mas também como uma memória de tempos cinzentos, de opressão e dificuldades.
Eu percebo isso pelos meus familiares com e 60 e tal ou 70 e tal anos.
O Pinhal Castanho ou a Praia da Gorda são para eles como o velho campo de futebol do Largo da Graça: memórias de juventude, mas também memórias de um tempo que teve muitos momentos maus.
Curiosamente, é gente mais jovem, que já cresceu na transição do que era para o que é e que não viveu essa parte má do passado de Alhos Vedros, que pode ter a capacidade de ver a riqueza desses espaços e de os recordar com uma nostalgia mais limpa de mágoas.
Por isso, deveria ser quem anda entre os trinta e os cinquenta que, pela idade, pela eventual formação, por uma atitude diferente perante o passado, poderia ser o motor de uma mudança de mentalidades em relação à preservação do património e da riqueza ambiental que vai escasseando cada vez mais.
Só que essa geração padece de alguns males (e nela me incluo), como uma falta de verdadeiro espírito solidário de grupo (são muitas as vezes em que as questiúnculas pessoais ultrapassam os interesses comuns), uma relativa amputação (muita gente boa e de bem cansou-se e foi-se embora) e a necessidade de organizar a sua própria vidinha (e a de muitos passa por ligações mais ou menos ténues ao poder instalado que não convvém afrontar abertamente).
Por tudo isso, alguns foram-se instalando mais ou menos perto do poder moiteiro e com eles passaram a colaborar, outros acomodaram-se e anularam a sua voz (eu próprio durante cerca de uma década), mais alguns nunca tiveram interesse por estas questões e apenas uma minoria tentou remar contra a maré (em colectividades como a CACAV, a Velhinha ou o CRI, entre outros, mas mesmo o associativismo se viu muitas vezes usado por controleiros), mas remou sempre com muito jeitinho, sem fazer muita força, porque a sua acção sempre dependeu dos apoios oficiais, devido à falta de meios próprios.
Assim se percebe que eu duvide da actual capacidade de mobilização eficaz da população de Alhos Vedros que raramente nos últimos 150 anos soube confrontar com sucesso os poderzinhos locais e os respectivos figurõezinhos do momento, tendo reservado a sua força durante muito tempo apenas para conseguir enfrentar as difculdades materiais e mais recentemente para que a sua vidinha não seja demasiado abanada, após os estertores naturais da juventude.
A partir daí, muitos de nós ficámos apenas a ver a barriga crescer e a calva aumentar nos outros, fazendo os possíveis por não nos vermos no espelho.
Claro que as coisa podem mudar e ser diferentes.
Se não acreditasse nisso, para que andaria eu a perder um par de horas por dia a escrevinhar ?

AV1 (com foto do Brocas)

Nota final: A leitura das primeiras páginas do relatório da equipa que escavou o sítio da Cadeia está a deixar-me arrepiado pelo que se percebe nas linhas e entrelinhas sobre a completa ausência de interesse e colaboração do pessoal político no que ali se passou, vergado aos calendários do promotor privado do barraco.

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