Nos EUA desde cedo que a lógica de criação e difusão dos comics passou pela continuidade das "marcas" para além dos seus criadores originais. O sistema de syndicates e a divulgação das tiras diárias e pranchas dominicais até levou, em alguns casos, a que autores diferentes chegassem a trabalhar em simultâneo nas mesmas séries.
Por isso, temos desde os anos 20 e 30, heróis que permanecem independentemente da saída de argumentistas e desenhadores, bem como estes transitam de herói para herói.
Hal Foster passou do Tarzan para o Príncipe Valente, enquanto o homem-macaco foi desenhado por muitos outros autores como os clássicos Burne Hogarth ou Russ Manning; Mandrake passou da pena de Phil Davis para a de Fred Fredericks sem grandes problemas, bem como o Fantasma ainda hoje permanece com os poucos conhecidos Paul Ryan nas tiras diárias e Graham Nolan nas pranchas dominicais. O Flash Gordon resistiu à saída do magnífico Alex Raymond que iria dar vida a Rip Kirby, depois de ter passado pelo agente X-9 (argumento do escritor Dashiell Hammett) que ainda teria como desenhadores autores maiores como Austin Briggs ou o grande Al Williamson.
Mas isto era na América.
Na Europa, e em especial na escola franco-belga estas continuidades em grandes séries de banda desenhada foram durante muito tempo a excepção. Tintin foi apenas o de Hergé. Astérix o de Uderzo e Goscinny. Ric Hochet ainda é o de Tibet e André-Paul Duchateau. E por aí adiante, mesmo se como no caso do Michel Vaillant Jean Graton já quase só desenha rostos e tudo fica a cargo de um estúdio industrial. O Bernard Prince foi o de Hermann nos desenhos, pois a solução transitória de Dany revelou-se catastrófica.
Só que o comércio falou mais alto e desde os anos 80-90 começou a surgir o interesse por ressuscitar séries míticas ou por não as deixar morrer. O Spirou de Franquin desdobrou-se e até voltou à infância; com a morte de Goscinny, Morris foi seleccionando argumentistas variados para o Lucky Luke e depois da sua morte até ele foi substituido por Gerra. A clássica série Blake e Mortimer, interrompida a meio dae As 3 Fórmulas do Dr. Sato no início dos anos 70 foi completada e desde os anos 90 passou a ser assegurada, numa fórmula quase inédita, por duas equipas de argumentistas e desenhadores.
Tudo isto a propósito do facto de não me ter apercebido da evolução de uma outra das minhas séries preferidas de outrora, o Tenente Bluberry de Charlier e Giraud que tendo atingido o seu auge criativo nos anos 70, acabaria por "fartar" um dos seus criadores, que se transmutaria no Moebius do Incal, deixando Giraud a braços com o problema da continuidade da série.
Apesar de Giraud regressar de quando em vez para a realização de álbuns de uma segunda série e de ter retomado a série depois da morte de Charlier, o tenente Blueberry experimentaria diversas encarnações da juventude até ser Marshall, passando por ele uma multiplicidade de autores, desde o clássico William Vance, aos mais recentes Colin Wilson, Fraçois Corteggiani ou Miguel Rouge, ficando muitas vezes Giraud apenas com o encargo dos guiões.
Graças aos saldos dos restos de stock da Meribérica a 2,9 euros, foi possível nos últimos meses ir completando um pouco a minha escassa colecção anterior de álbuns da série, que tenho principalmente nas revistas Tintin, e acompanhar a evolução e transformação de uma série que tinha uma enorme identidade temática e gráfica (em especial na fase dos álbuns O General Cabeça Amarela, A Mina do Alemão Perdido, e O Espectro das Balas de Ouro) numa espécie de franchising adaptado a todas as necessidades e interesses comerciais.
Por um lado é uma solução curiosa para a continuidade de uma "marca" mas, por outro, por vezes deixa muito a desejar em termos de coerência e continuidade.
AV1
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