Um dia, em visita a um dos nossos parques naturais, conhecemos um velhote que não calava o seu descontentamento com o modo como ele estava a ser gerido. “Nem lenha nos deixam cortar!”- reclamava, contra os responsáveis pela regulamentação súbita que lhe controlava cada gesto da vida. Chamava-lhes “os engenheiros” contra quem um dia explodiu: “Já pensaram que aquilo de que gostam e que dizem querer defender, foi o que nós vos deixámos? Pelos vistos, não fizemos um mau trabalho”.
Aquele homem reflectia uma relação solidária com o território, de quem dele sempre dependeu para sobreviver, não admitindo ser possível que houvesse quem lhe quisesse retirar mais do que aquilo que lhe dava. Nos muitos anos da sua vida, tinha aprendido que se queria lenha tinha que deixar crescer as árvores, se queria água, não a podia contaminar, se queria terra, tinha que dela cuidar. O que ele não sabia, é que era... um sobrevivente.
O fim desta relação utilitária entre o Homem e a terra, está na origem das múltiplas perversões, cujas consequências hoje sofremos. Deixou de haver limites. Recursos hídricos, solos de elevada aptidão agrícola, espécies animais e vegetais, tudo foi sacrificado à nova concepção do território exclusivamente entendido enquanto mercadoria. As fragilidades da nossa economia e a necessidade de integrar uma mão-de-obra pouco qualificada, extremaram o problema, dando à especulação imobiliário e a todas as actividades que giram à sua volta, um peso que, no conjunto dos países da União Europeia, talvez só seja comparável ao que se passa em Espanha.
Quando José Sócrates dirigiu a pasta do Ambiente, denunciou o excesso de construção prevista no conjunto dos planos directores municipais (PDM). Enquanto primeiro-ministro, chegou a prometer a revisão da famigerada “Lei dos Solos”. Não só ainda não o fez, como permitiu a criação dos famosos PIN (projectos com potencial interesse nacional, que permitiram furar a pouca regulamentação existente), reduziu o controlo sobre a elaboração dos PDM e aumentou o peso dos poderes locais na definição dos limites da Reserva Ecológica Nacional- como já alguém disse, o ordenamento do nosso território está refém de interesses que não são os das populações.
Por tudo isto, os problemas sentidos em torno da revisão do PDM da Moita, longe de serem excepção, são a regra (ainda há dias foi noticiado um estranho processo de aquisição de terrenos no Parque Natural da Ria Formosa, que não deve ter desfecho muito diferente). Excepcional, tem sido a resposta dada pelos cidadãos que constitui um exemplo do caminho a seguir. Como tal, deve ser divulgada e apoiada. Para que não seja mais possível privatizar os lucros e socializar os prejuízos. Para que “os engenheiros” deste país, deixem de se preocupar mais com meia-dúzia de aparas cortadas para a lareira, do que com o cimentar massivo do território, cada vez mais privatizado.
Sem comentários:
Enviar um comentário