sexta-feira, janeiro 21, 2005

Desânimos


Na minha recente volta, de que já falei aqui, por Alhos Vedros para fazer umas fotos, foi-me possível observar com mais detalhe aqueilo que, nos trajectos habituais e rápidos do quotidiano, olhamos sem verdadeiramente ver.
E, digamo-lo com frontalidade como o outro, Alhos Vedros tem vindo a ficar cada vez menos atractiva, vindo a deixar-se desfear até ao ponto do desânimo.
Aqueles que são os dois eixos fundamentais que restam do que agora chamam "centro histórico" (Rus 5 de Outubro e Cândido dos Reis) são mantas de retalhos em que quase tudo o que é antigo caiu ou está a cair e o que é novo é feio e incongruente.
Excepção feita à teimosia do Pelourinho e da Capela da Misericórdia com suas laranjeiras fronteiras, tudo o mais, ao olhar cru de uma tarde solarenga de Inverno, afigura-se-nos tristonho, sombrio, incoerente e revelador de tremenda falta de visão política, de competência técnica e de capacidade de intervenção dos alhosvedrenses na defesa do que é seu.
O abandono a que Alhos vedros foi votada na ditadura deu lugar à incúria e ao desleixo durante a democracia. O património histórico foi deixado sem defesa e à mercê da lei do tempo e da ignorância, enquanto as zonas residenciais tradicionais se foram gradualmente desertificando perante o envelhecimento da população e o desinvestimento na sua preservação.
Nos anos 70, Alhos Vedros era já uma terra atrasada, mas ainda vivia com uma identidade própria. Entretanto definhou e agora não sei no que se está a tornar. Antes era um misto de testemunhos de um passado histórico ignorado por muitos com um presente de industrialização terceiro-mundista, tudo envolto em zonas residenciais de matriz humilde, à excepção de uma mão-cheia de vivendas das grandes famílias proprietárias da terra, mas ainda não se adivinhava dormitório sem jeito.
Hoje, para não falar das carcaças das fábricas corticeiras e têxteis, as velhas ruas de fileiras de casas chãs (Rua da Bemfadada, a própria Cândido dos Reis e a do Mercado, parte da Vasco da Gama e da Duarte Pacheco, algumas transversais da Bela Rosa, como as ruas de Dadrá, Afonso de Albuquerque, etc) estão corroídas e os novos quarteirões de blocos de apartamentos são desenhados sem qualquer coerência, gosto ou harmonia urbanística ou equipamentos de apoio, apenas ao sabor das concordatas entre empreiteiros e CMM, acumulando-se os remendos sem nexo sempre que vai (ou deitam) abaixo qualquer edifício mais degradado.
Andem pela Rua Cândido dos Reis abaixocom olhos de ver, desde a Junta de Freguesia até à esquina final, onde agora se vê o estaleiro das obras agora em curso na Praça da República/Largo do Coreto; olhem com atenção a antiga zona residencial que envolve este Largo; admirem o patchwork que são os quarteirões de prédios para nascente da Avenida Bela Rosa, da esquina do antigo Cinema até às morçoas, passando pelas Ruas Cabo António Correia ou António Hipólito da Costa; admirem o sortido tutti frutti na antiga “Largada”; verifiquem o transformismo da Rua Vawsco da Gama, com os barracões da Helly-Hansen a taparem as casinhas do outro lado, seguindo-se um (des)alinhamento constante até ao seu final perto da velha Vala Real; desvendem o sentido oculto da Rua Tristão da Cunha, sem saída para qualquer dos seus lados; desfrutem do enquadramento paisagístico do Largo da Praça, com o bunker creme do topo nascente, com toda a sua zona comercial da cave por ocupar (grande visão a de quem pensou que alguém iria ali montar negócios) e as ruínas das antigas corticeiras em redor. Enfim, deslumbrem-se com as ruínas das antigas quintarolas, para não falar do ferro-velho/lixeira a céu aberto de toda a zona ribeirinha das antigas salinas a caminho do Cais Novo.
Depois (e nem falei do Campo da Forca, da Vinha das Pedras e das Arroteias, igualmente à mercê do binómio interesses privados mesquinhos/desinteresses públicos néscios) não me venham dizer que aqui só se diz mal por dizer.
Se não percebem a tristeza que nos invade a alma é porque nem gostavam da antiga Alhos Vedros nem têm uma ideia para o seu futuro, porque do presente estamos falados.

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