segunda-feira, janeiro 17, 2005

Secção Vida Mundial

«Primeiro os homens fizeram os deuses, instituiram os mitos, determinaram as normas. Depois esqueceram-se da sua obra e deixaram-se vencer pela sua própria criação.
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A ideologia burguesa descobriu que na margem dos seus valores consagrados (onde a "arte" e a "revolução" ocupam o mesmo lugar) havia um campo a mercantilizar e criou os produtos opostos - ou antes classificou-os - e manteve-os à distância para melhor os recuperar.
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Num cinema superluxuoso da capital a "trilogia da vida" de Pier Paolo Pasolini (Decameron, Os Contos de Canterbury, As Mil e uma Noites). Num modesto cinema de bairro a "trilogia proletária" de Eisenstein (A Greve, A Linha Geral, Outubro). Em três salas de "arte e ensaio", a "trilogia da morte" de Paul Morrisey (O Vício, O Prostituto, O Cio). Se aqui me refiro ao lugar em que são apresentados os filmes é porque penso que o seu funcionamento ideológico é também determinado pelo processo de difusão utilizado - salas de cinema, inscritas num mercado com leis específicas, espectáculo-produto que se submete às normas da sociedade em que está. E se da sala "superluxuosa" à "modesta" de bairro, passando pelas de "arte e ensaio", o público varia, não é tanto pelo estrato social a que pertence mas antes pelo lugar que a necessidade (nunca o desejo) estimula.»

José Camacho Costa (esse mesmo, o infelizmente falecido actor dos Malucos do Riso), Vida Mundial nº 1882, 9 de Outubro de 1975, pp. 46-47.

Nota Final: Naqueles tempos era complicado ver cinema. Tantos conceitos, tantos preconceitos, tanta confusão. Eu ainda só via o Trinitá e os Estarolas, por isso... devia ser reaccionário. A vantagem é que Alhos Vedros ainda tinha cinema.

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