sexta-feira, outubro 07, 2005

Dicionário Autárquico XI (último)

V de Várzea – a que se diz da Moita mas fica em grande parte na freguesia de Alhos Vedros e cujos habitantes, mesmo sendo poucos, conseguiram a movimentação popular mais importante da(s) última(s) década(s) contra o poder autárquico. O seu carácter basista e espontâneo surpreendeu muita gente que rapidamente quis ver nele a marca de uma qualquer manipulação política. A perda de hábito em contar com a reacção das populações e com as manifestações populares anti-poder, levou a que aqueles que afirmam princípios revolucionários se entrincheirassem nos formalismos da democracia “burguesa”, enquanto outros, defensores das reformas graduais, se encavalitassem tardiamente na onda. De certa forma, este foi o fenómeno inesperado que fez amargar a habilidade que representou a apresentação da discussão pública do PDM num calendário inconcebível, em cima das eleições e em pleno Verão. A resposta foi inicialmente de indiferença e gradualmente de incómodo, tendo-se dividido depois a reacção entre uma tentativa de diálogo formal e os ataques oficiosos aos líderes do movimento numa estratégia de descredibilização digna de outros tempos. O desfecho de tudo só será conhecido no rescaldo das eleições e isso será um problema pois, em caso de continuidade da maioria absoluta existente, penso que os moradores e proprietários irão precisar de muito maior esforço para fazer vencer as suas reivindicações.

X de Xuxa – que aqui usamos em substituição do Tacho porque o T já estava ocupado e não em homenagem à simpática brasileira, ídolo das criancinhas, miúdas e graúdas. Xuxa ou chucha, aquilo que muitos procuram para se calar, ou que berram para não perder. A teta do Estado, mesmo que ao nível de uma autarquia local de média dimensão, é um atractivo enorme, seja de forma directa ou indirecta. Aliás, é de forma indirecta que a xuxa se torna mais doce, porque permite manobrar na obscuridade e sem a necessidade dos formalismos legais, mesmo quando estes são mais formalismos do que outra coisa. De forma directa, a xuxa passa pela possibilidade de aceder alugares na estrutura camarária, seja nas carreiras administrativas e técnicas, seja nas mais cobiçadas de assessoria e afins. Daqui a poucos dias, conforme a aflição do berro ou da gargalhada, se verá onde ficou a xuxa. A outra – a de carne e osso – continua no Brasil e já esteve em melhor estado.

Z de Zé-Povinho – aquele que tudo devia decidir, mas que cada vez decide menos, entre a apatia desinteressada e o activismo cego. Cada vez ficou mais limitado o espaço do debate público e da crítica; o(s) poder(es) que se instalaram após 1974 foram-se radicando de forma cada vez mais profunda e foram ganhando a crença que é seu exclusivo aquilo que devia ser de todos, ou seja, a participação nos destinos da vida pública. O Zé-Povinho tornou-se um joguete eleitoral legitimador, mesmo quando aqueles que dominam o poder político são eleitos por uma proporção cada vez menor de cidadãos. E tornou-se carne para canhão do poder económico que conseguiu fazer sobrepor os seus interesses ao que devia ser a autoridade pública reguladora. Num concelho com três décadas de gestão PC é sempre curioso constatar que o poder autárquico parece eximir-se das suas responsabilidades e lançar as culpas sempre para trás das costas. Para quem defende um modelo intervencionista do Estado na sociedade e na economia, não deixa de ser curiosa esta adesão ao liberalismo.
AV1

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