«O termo “partido” entrou em uso, substituindo gradualmente a expressão depreciativa “facção”, com a aceitação da ideia de que um partido não é necessariamente uma facção, que não é necessariamente um mal e que não perturba o bonum commune, o bem-estar comum. A transição de facção para partido foi, na verdade, lenta e tortuosa, tanto no domínio das ideias como no dos factos.»
(Giovanni Sartori, Partidos e Sistemas Partidários, p. 23, grafia adaptada da edição brasileira da Zahar Editores)
Na origem, os partidos surgem quando as facções existentes nos Parlamentos das democracias liberais burguesas do mundo atlântico deixam de ter uma forma inorgânica e se começam a estruturar de forma permanente, ganhando gradualmente uma feição institucional e hierárquica.
Infelizmente, nos tempos que correm e não só entre nós, os partidos parecem ter-se tornado meros aglomerados de facções que orbitam em torno de interesses vagamente comunbs, mas cuja coesão depende da capacidade de ganharem e manterem o poder.
Muitas das lutas pela liderança dos partidos políticos que temos e das reacções que observamos no rescaldo de eleições, nacionais ou locais, só se compreendem se encararmos os partidos como grandes coligações de facções com um mínimo denominador comum.
Perante a ingovernabilidade que pulverização do espectro partidário acarreta, os sistemas democráticos evoluíram para um sistema de grandes partidos, cada vez maiores e mais alargados ideologicamente, mas cada vez menos capazes de gerar identidades unificadoras.
Como consequência, o critério da coesão é o sucesso, ou seja, a vitória em eleições e a cativação do poder.
Em Portugal, e por agora, só o PCP minimizou esta tendência, porque simplesmente expeliu toda e qualquer ameaça de facção interna organizada. O PS, o PSD e até o minúsculo CDS não passam de aglomerados de facções que, em momentos de desaire, não param de se esgatanmhar. O Bloco, como o nome diz, mais não passa do que uma constelação de facções saídas de outras paragens e ocasionalmente reunidas por um projecto de sucesso rápido (o PRD foi uma coisa parecida há 20 anos, mas o sucesso foi mais forte e fugaz).
Em momentos de derrota, vem tudo o resto ao de cima, as questiúnculas pessoais, as vinganças mesquinhas, os pedidos e ajustes de contas, as sucessões apressadas das lideranças em busca de nova liderança ganhadora.
O dia seguinte ao das autárquicas do passado Domingo é um bom exemplo disso, em especial se analisarmos o que se passa no nosso distrito.
Não há socialista que tenha perdido o seu cargo, ou que tenha sido preterido nas listas, que não tenha vindo apontar o dedo aos seus adversários internos: do Barreiro a Palmela, os dedos em riste surgem a apontar os “culpados”.
No caso do PSD, como os resultados nacionais foram bons e os locais não foram catastróficos as coisas ficaram mais ou menos abafadas.
Até no CDS, as cabeças já começaram a rolar, mesmo por si próprias (caso de Alcochete).
No PCP, a homogeneização do Partido e o sucesso destes resultados, tornam-no uma excepção a este panorama.
Mas a realidade permanece: os grandes partidos deixaram de ser estruturas com qualquer tipo de identidade ideológica definida, mesmo quando os seus membros possam ter um passado e um trajecto comum. O que unifica Luís Filipe Menezes, Alberto João Jardim, Marcelo Rebelo de Sousa, Dias Loureiro e Cavaco Silva ? O que unifica Manuel Alegre, António Vitorino, José Sócrates, João Soares, Ferro Rodrigues ou mesmo Vitor Constâncio ?
Nada mais do que a adesão a um a estrutura formal destinada a conquistar o Poder e a alimentar-se dessa mesma conquista, assentando a sua mensagem em discursos feitos após consulta de técnicos de marketing político.
E isto tem os seus micro-reflexos a nível local.
Menos – aparentemente – no PCP que continua a ver a coisa de outra forma, ou seja, retomando a formulação inicial de partido como facção política dentro da sociedade.
É mais coerente, certamente.
Mas reduz muito a visão quando se olha para fora, com receio de todos os “outros”.
Quem não é dos “nossos” de alma e coração, abdicando ou não da Razão, não é puro.
E parece-me que – dando um enorme salto para a situação local no nosso concelho – essa tendência reducionista pode levar ao agravamento de um certo autismo na relação com as oposições e com os discursos críticos próprios de uma democracia pluralista e não apenas pluripartidária.
AV1
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