terça-feira, dezembro 06, 2005

Mensagem ao pessoal da minha geração

Por pessoal da minha geração entendo os verdadeiros filhos dos anos 60, ou seja, os que nasceram na década de 60 e agora andam pelos trinta e muitos ou quarenta e uns tantos e com os quais me fui cruzando na primária (eles na 4ª classe, eu na 1ª ou eu na 4ª e eles na 1ª classe, ou versa-vice).
A coisa é assim:
Vocês tornaram-se quase todos muito chatos.
Vocês tornaram-se monótonos.
Vocês tornaram-se o contrário de tudo o que diziam e criticavam aos papás e mamãs.
Vocês tornaram-se imunes ao que foge ao planeado.
Vocês satisfazem-se com as vitórias do clube no futebol, umas bejecas ou visques conforme os gostos, umas conversetas inócuas de café, uma ganzazita às escondidas da família, umas leituras espirituais que nem vou qualificar.
Vocês envelheceram mal.
Vocês amoitaram-se para lá do razoável.
Eu também.
Mas ainda tenho uns laivos de chama cá dentro.
A vossa está quase toda apagada.
E muito pior, parece que não gostam que alguém lhes lembre isso.
Quando envelhecemos corremos dois tipos de risco:
- Cair no ridículo de querer parecer ainda jovens a todo o custo, desde o clube dos bronzeados à tertúlia dos rabos de cavalo, passando pelo dos gabirús galadores de mulheres alheias e miuditas mais jovens.
- Esquecermos por completo, não a criança, mas o jovem que já existiu em nós e passarmos a ser uns cinzentões de (pré) meia-idade.
Quem conheceu muitos de vós, melhor ou pior, não esperava que escolhessem esta segunda opção, de morte lenta e acomodamento ao sistema burguês que tanto criticavam.
À quem se desculpe dizendo que isso é o processo natural de amadurecimento pessoal.
Bullshit (cócó de boi, para os não entendidos em linguajares anglófonos).
Vocês apenas se renderam.
Entorpeceram.
Nublaram o entendimento.
Preferiram alinhar com a carneirada.
Tornaram-se Hermans Josés do dia a dia.
Qualquer dia alouram como as respeitáveis esposas.
É verdade que a vossa carneirada, em alguns casos, é feita de gente com "prestígio local".
E que as cumplicidadezinhas se estabelecem e os favores se fazem, enquanto as convicções esmorecem.
Há 30 anos ou há 25 anos eu tinha menos convicções do que muito de vocês.
Por isso os observava com alguma atenção.
Por isso era eu o que passava despercebido, então.
Mas foram vocês que deixaram a chama extinguir-se.
Começaram a pensar na reforma.
Na câmarazinha digital.
Na prestação da casinha.
Na tentação do carrinho novo, gt ou td conforme a década.
Aderiram ao politicamente correcto.
E detestam as ovelhas negras.
E apontam-lhes o dedo ameaçador.
E não gostam quando nós lhes erguemos um espelho onde vêem a vossa imagem reflectida.
Mas, já lá dizia o David Byrne no Once in a Lifetime:
"Well, how did I get here ?"

AV1 (que continua a não ser quem vocês pensam)

1 comentário:

AV disse...

Sempre disponível para deprimir quem estiver demasiado bem disposto.
Mas a carapuça é bem larga, é verdade.
;)
AV1