A reportagem do Expresso de hoje sobre a permanência do trabalho infantil no Norte do país coloca-nos perante a realidade do país subdesenvolvido que ainda somos, por muita "inovação tecnológica" que se prometa, por muitos presidentes da Comissão Europeia que arranjemos, por muitos jogadores de futebol em equipas de topo que coloquemos no estrangeiro.
Crianças pré-adolescentes a trabalhar em condições próprias não da Revolução Industrial, mas da proto-industrialização de há 300 anos, quando ainda se vivia um artesanato doméstico explorado por empreendedores que depois recolhiam as encomendas para as levar para os mercados urbanos.
O esquema é simples: há empresas que conseguem encomendas de bom valor da Inditex/Zara e depois, em vez de produzirem em unidades fabris pelo menos do século passado, entregam o ofício a famílias rurais a preços próprios do capitalismo chinês, aproveitando a crise, a miséria de corpo e espírito, a ineficácia da fiscalização de um aparelho de Estado às arrecuas nas suas funções básicas e tudo aquilo que faz do Portugal profundo o que sempre foi: pobre, envergonhado, vulnerável aos esquemas do chicos-espertismo.
Quarenta cêntimos o par de sapatos cosidos à mão (uma família inteira a coser 50 por dia ganha 20 euros, menos do preço de um par numa loja) permitem depois a obtenção de muitas mais-valias em outras etapas do processo.
Não é por acaso que a coisa se passa nas imediações de Felgueiras.
Por lá tudo se sabe mas, aparentemente, quem direito não o sabe.
Sim, pois, todos acreditamos que a Inditex tem imensas exigências quanto às condições de produção dos seus artigos.
Sim, pois, nós acreditamos que os empresários que utilizam estes esquemas até são naturais beneméritos de famílias sem outros meios de subsistência.
Sim, pois, nós acreditamos que a Inspecção do Trabalho tem poucos meios, que as autoridades escolares e policiais não dão por nada, que tudo se passa em catacumbas invisíveis.
Sim, pois, nós acreditamos que isto é um país a um passo da modernidade.
A verdade é que continuamos a ser um país que quer mostrar farpela de rico aos mirones, enquanto por baixo do brilho do telemóvel e gloss ou do gel, continua de fundilhos mal amanhados e de solas rotas como sempre.
Tudo isto é triste, tudo isto continua a ser o nosso fado.
AV1
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