quarta-feira, maio 24, 2006

Mensagem Conhecida, Mensageiro Errado

Voltando ao assunto do Carrilho...
Ontem lá pela madrugada repetiu na RTPN o Prós & Contras sobre o lançamento do livro do homem, o que é uma clara desmesura dos meios em relação ao produto.
Apanhei partes que já tinha visto e fiquei de novo sem ver outras que gostava de ter apreciado, pelo abarracamento do confronto com Ricardo Costa.
Mas concentremo-nos no que acho essencial, que não é o livro em si, mas o conteúdo a que se refere e, por tabela, a credibilidade deste mensageiro de ocasião e do seu apoderado circunstancial.
A teoria é simples:
Existe actualmente uma comunicação social fraca, vulnerável a solicitações e favores, preguiçosa, que não investiga os assuntos e prefere publicar o que lhe é dado por "agências de comunicação" ou estruturas afins ou "encomendado" em troca de um qualquer "pagamento". A opinião publicada é parcial, dada a campanhas orquestradas e a democracia comunicacional está prevertida.
Nestes termos, concordo a 95% com a teoria.
Já aqui nos parcos meios do AVP se denunciou isso a nível local e nacional.
É uma realidade.
Ponto final.
Agora onde é que a porca torce o rabo?
Em duas questões:
a) Este mensageiro tem credibilidade para emitir esta mensagem, erguer-se como paladino da justiça e da transparência e denuncia as situações de forma clara? E o seu aliado de momento, Emídio Rangel?
b) Se a situação existe tal como é descrita, o que fazer?

Vamos lá então por partes.
a) Em primeiro lugar, Carrilho é dos políticos com menos credibilidade para denunciar este tipo de situação e para ser o mensageiro da "boa nova" salvífica. Mesmo se acreditarmos que renegou parte do passado e agora é um "cristão-novo", prosélito em toda a escala da verdade comunicacional. Porquê? Porque se tivesse ganho, apesar de todas as congeminações que diz terem existido, estava calado. Porque aparece com esta ladaínha porque perdeu devido à falta de empatia com o eleitorado e devido a erros de arrogância estratégica, impondo-se a mal dentro do PS como candidato e reduzindo as hipóteses de diálogo com o resto da esquerda em Lisboa.
Foi por isso que ele perdeu. Não sou original nesta análise, porque ela é evidente. Carrilho só ganharia a CML se tivesse existido, isso sim, uma conspiração tenebrosa contra Carmona Rodrigues. Ele perdeu, tal como João Soares perdeu, por manifesta inépcia e auto-convencimento de uma capacidade política que não tem.
Para além de que Carrilho usou, ou beneficiou, mesmo se em escala menor ou com menor profissionalismo, de diversas manobras de "assassinato de carácter" de colegas seus de Partido, para chegar, antes de logo, a Ministro da Cultura e depois a candidato à CML. As vítimas foram António Reis e Ferro Rodrigues e não me lembro, em especial no caso de Ferro Rodrigues, de o ver inflamado a defendê-lo, em especial quando as candidaturas a Lisboa se perfilaram.
Carrilho calou-se enquanto a roda rodava em seu favor, quando aparecia na SIC e no Expresso e quando o "filósofo" se tornou presença frequente nas revistas light, em especial naquelas que lhe convinham e sob as condições acordadas para aparecer.
Quanto a Rangel, depois do passado glorioso na TSF, a sua passagem pela SIC e RTP, com todo o esquema aparelhista que montou e as suas bravatas quanto à possibilidade de manipular a conduta dos portuguerses a partir de audiências maioritárias demonstram bem quem foi um dos "pais" desta nova tendência de tudo tornar espectacular na informação televisiva e das possibilidades imensas de manipulação do público.

b) Mas se a existência das agências de comunicação é uma realidade e a sua aceitação plena é abençoada pelas mais altas instâncias do estado socialista - vejam-se as campanhas comunicacionais deste Governo sobre a OTA e o TGV que fazem parecer ingénuas as manobras de Santana Lopes, Paulo Portas e Morais Sarmento para erguer uma Central de Comunicação no governo anterior - o que fazer perante o que é encarado como um mal?
Das duas, três: ou se vive com isso, sofrendo ou não; ou se denuncia a situação desde o ovo e mesmo quando o ovo está no seu ninho e não só no dos outros; ou, por fim, se vai pacientemente desmontando na prática a acção dessas campanhas comunicacionais, não apenas quando os visados somos presuntivamente nós.
Modéstias à parte, aqui no AVP tentamos fazer isso em relação à incipiente, mas eficaz localmente, máquina oficial de propaganda moiteira da aliança político-taurina de circunstância. Porque fazemos isso? Porque achamos qu o público merece um contra-spin à imagem bela e delicodoce de coisas que o não são. Já aqui falámos de livros como o The Rise of Political Lying ou o All'Fair de James Carville e Mary Matalin ou ainda de vários sobre os spin doctors de Tony Blair e do Labour, que demonstram teoricamente e na prática como tudo isto funciona e como pode ser contrariado.
Contraria-se a coisa, denunciando situações concretas e facultando a informação correcta, quando não é isso que os "meios oficiais" colocam em circulação.
Por isso não fazemos "requerimentos" pelos "canais oficiais". Se quiséssemos informação mastigada, digerida e cuspida por uma máquina de propaganda chegava-nos o que nos querem dar.
Por isso, a atitude correcta é identificar os momentos em que a comunicação distorce a informação, verificar a informação correcta e apresentá-la.
Mesmo quando não temos nada a ganhar ou perder com isso, em termos individuais.

E é por estas bandas que Carrilho falha, porque já se percebeu que este livro e estas denúncias, ao contrário de 20 anos de ladaínha do Pacheco Pereira a este respeito, vão desaparecer logo que Carrilho for chamado para um qualquer cargo de responsabilidade.
O que o chateia é a sua dispensabilidade pelo poder socrático e a sua ausência das primeiras linhas do PS actual.
Daí ter arrigementado para as hostes dos presentes no lançamento do livro outros amargurados do PS, desde aqueles por quem tenho alguma admiração política (Alegre) ou simpatia pessoal (Medeiros Ferreira), mas que são apenas uma coligação de actuais vencidos da política.
Então, tal como ele fez como Ministro da Cultura, veremos como ele filtra como qualquer outro a informação e se esquece das denúncias de agora.
E isto não é um processo de intenções, porque se baseia no conhecimento do que ele fez como governante e de alguns dos meios que usou.
Quereria eu Carrilho como paladino de uma causa, que até aceito?
Não, porque ele me largaria à primeira esquina em que houvesse uma grande instituição cultural onde ele pudesse "fazer obra", "mudar as coisas".
Não estivesse o CCB com outro já lá ou a Gulbenkian com os quadros aparentemente preenchidos e alguma esperança existiria.
A única hipótese é morrer para aí outro Gulbenkian ou outro Champallimaud e deixar um legado de muitos milhões para uma Fundação para a Cultura, designando Carrilho como seu presidente, e logo se esfumariam no ar todas estas veemências.

AV1

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