quinta-feira, outubro 06, 2005

Dicionário Autárquico X

T de Tradição – o grande equívoco ou, em alguns momentos, a grande mistificação por estas bandas. Porque na Moita este T é de Toiros, enquanto para mim esse T é mais de Tejo, porque a tradição taurina é algo bem localizado no tempo e no espaço (principalmente a partir de meados do século XIX é que as touradas se tornam “tradicionais” na Moita), enquanto a vida ribeirinha modelou a vivência das populações durante séculos a fio e agora está praticamente esquecida, se exceptuarmos alguns grupos de resistentes dos desportos náuticos e as novas ideias de tornar a caldeira da Moita um centro lúdico. Só que a tradição ribeirinha é muito, muito mais do que isso, pois vai da salinicultura que desapareceu à moagem cuja memória ninguém se interessou em preservar, da navegação e transporte fluvial para Lisboa à pesca e piscicultura. Só que essas são actividades económicas não rentáveis, gradualmente substituídas como não eficazes no mundo industrializado, incongruentes com a modernidade que alguns nos querem acreditar que por aqui existe, só porque as médias e grandes superfícies comerciais se multiplicaram. Em contrapartida, a tradição taurina, como mero espectáculo comercial, passou a gozar de maior popularidade, se outras razões não existissem, porque vive da barbárie ainda subjacente em todos nós, ritualizada de forma cosmética, e do voyeurismo de quem anseia pelo sangue e pelo sacrifício alheio.

U de União – aquela que falta em Alhos Vedros no sentido da afirmação dos seus interesses no contexto do concelho. Depois de dois unanimismos forçados, primeiro contra a Ditadura e depois a favor da Democracia, facilitados pela pequenez da própria comunidade, a crescente suburbanização e proletarização, herdadas dos anos 60/70, mas que progrediriam com os anos 80 e todas as dificuldades económicas desse período, levaram ao estilhaçamento do sentido comunitário e identitário que antes existia. Agora predominam as intrigas, as inimizadas pessoais e as disputas pelos poderzinhos que restam, na sombra da Moita e da Baixa da Banheira. Longamente menosprezados pelo poder autárquico desde que a sua sede passou para a Moita, os alhosvedrenses chegaram a um ponto de insensibilidade em que, primeiro, se foram envergonhando, e depois, se foram esquecendo de o ser. Apesar das vozes que clamam pela necessidade de uma lista independente, defensora dos interesses da freguesia, eu acho que a maior parte da população já só está preocupada em levar a sua vidinha por diante, entalada pela crise económica e pelas cada vez menores perspetivas de melhoria da sua situação. Falar-lhes de defesa do Ambiente, da avifauna ribeirinha e do Património histórico, da necessidade de travar as urbanizações massificadas e ser crítico quanto à qualidade das infraestruturas existentes, é falar de coisas quase abstractas e supérfluas, para quem vive um quotidiano difícil. E quem há-de condená-los por isso ?

AV1

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