quinta-feira, outubro 20, 2005

Os Donos da Verdade

A complicada relação entre os políticos (pós-)modernos, a verdade e a falsidade é o assunto, com recurso ao caso do New Labour de Tony Blair, de um livro que temos aqui citado com alguma frequência, o The Rise of Political Lying de Peter Oborne.
nele se demonstra como o recurso ao engano, à ilusão, à "construção" da verdade se faz, alegadamente, sob o propósito de um bem maior, que é o da manutenção do poder pelos "bons", no caso os Trabalhistas comandados pelo dito Blair.
Enganar a comunicação social, o Parlamento e a opinião pública tornam-se parte de uma "narrativa política" mais do que de um relato ou análise dos factos.
O autor radica esta tendência para mentir sem remorsos em duas tradições, uma religiosa fundamentalista em que a Verdade é motivo de fé e tudo serve para a defender, incluindo caminhos ínvios (ou "misteriosos" como na Bíblia), e outra filosófica que resulta do pensamento pós-moderno em que o conceito de Verdade é relativizado e substituído pelo de "discursos", múltiplos e, em última instância, equivalentes.
O autor só se esquece de uma terceira fonte para este modo de maleabilizar o que é "verdade" ou não, que é a leitura neo-marxista do valor da Verdade, consoante quem a afirma.
Resultando da tentativa de fazer a exegése autêntica do pensamento de Marx onde ele não chegou, alguns autores decidiram prolongar a leitura marxista da sociedade a recantos algo inimagináveis, e um deles é exactamente o campo do que é ou não Verdade, conforme o seu agente.
Leia-se Georg Lukacs a esse respeito:

«Com efeito, enquanto que na consciência de classe da burguesia, mesmo as constatações correctas de factos ou momentos parciais do desenvolvimento, revelavam, pela sua relação com a totalidade da sociedade, os limites dessa consciência e se desmascaravam como "falsa" consciência, no proletariado, mesmo na sua "falsa" consciência, mesmo nos seus erros de facto, existe uma tendência dirigida axialmente para a verdade.» (Sobre o Conceito de Consciência de Classe, Porto, Publicações Escorpião, 1973, p. 69)

Ou seja, mesmo quando têm razão, os "burgueses", os "maus", estão errados.
Os puros, os "bons", mesmo quando erram, estão certos.
Assim é que é ainda hoje para muita gente que anda por aí, orfã de um qualquer pensamento único.

AV1

Sem comentários: