sábado, novembro 26, 2005

Lusofonias



Nem de propósito.
Esta semana o Expresso traz uma matéria sobre a CPLP e as discordâncias em torno do símbolo.
Aparentemente, a esfera armilar faz recordar o passado colonial e o símbolo existente deve ser substituído por um em que surjam apenas as bandeiras dos países membros.
As boas notícias é que países como Andorra, Marrocos, Senegal e a Guiné Equatorial manifestam interesse em aderir à CPLP, e eu acho que têm razão.
Agora quanto á questão de fundo.
Eu não acredito na Lusofonia, ponto final.
Porquê ?
Porque os países mais fortes da comunidade da língua portuguesa (Brasil e Angola) têm as suas agendas, as suas prioridades, e elas só lateralmente passam por uma cooperação com o resto da cambada.
Embora eu ache que, em termos diplomáticos, a lusofonia até tem funcionado de forma razoável e muito bem no caso de Timor.
Só que, ao contrário das outras nações europeias com fortes comunidades mundiais que falam a sua língua oficial (Inglaterra, França, Castela), Portugal é um pigmeu, fale-se em termos económicos ou culturais.
Enquanto os países africanos francófonos lá chamam a mamã França para mandar tropas quando entram na fase crítica da sua 124ª guerra civil, no caso português nós estamos mais virados para o Afeganistão e o Kosovo.
Enquanto Castela tem uma política económica agressiva em termos internacionais e se espalha com facilidade pelos mercados latino-americanos, tomara a Portugal não ser tratado por Castela como uma sua região com uma autonomia maiorzita do que o habitual, mas nada que não se resolva a médio prazo.
Enquanto a Inglaterra tem uma rainha a quem é reconhecida - mesmo se de modo meramente formal - uma influência na Austrália, no Canadá, na África do Sul, o nosso Presidente quando vai ao Brasil é mais para férias e quando vai a Angola é mais para levar puxões de orelhas sempre que algum governante se descuida nas declarações.
É verdade que me comovo com facilidade ao ouvir falar português a goeses, que relembram a presença portuguesa como um período dourado da sua vida (e conheci pessoalmente alguns), ou quando ouço timorenses rezar na nossa língua ou mesmo quando em Malaca se encontram letreiros com termos claramente portugueses, embora tenhamos saído de lá há mais de 350 anos.
Mas a Lusofonia não pode ser apenas isso.
Nem pode ser a ida do Abrunhosa, da "Geninha" Melo e Castro ou dos Delfins para o Brasil, onde depois gravam umas "colaborações" com o Lenine, o Gabriel (que diz ser Pensador) ou Ney Matogrosso e vêm de lá como se lhes tivessem enfiado uma palhinha de ácido no rabo, todos entusiasmados e doutorados na dita lusofonia.
Essa por essa, mais vale o Roberto Leal, que esse sim é uma verdadeira mestiçagem cultural (é no mau sentido, mas é).
E a Lusofonia também não se pode confundir com a nostalgia do Império, como se passa com algumas pessoas que viveram principalmente em Angola e Moçambique e lá voltam uma ou duas semanas para olhar para o passado e desenterrar a ideia spinolista de uma federação de países luso-africanos.
(Houve uma colega minha de curso que fez isso, só que depois não conseguiu ignorar muitos dos detalhes do presente, que aqui vou omitir para não ficar mais politicamente incorrecto, e jurou nunca mais voltar.)
Sinceramente, a CPLP e a Lusofonia só podem funcionar efectivamente, quando Portugal conseguir (e não tem meios objectivos para isso, nem se vislumbram) assumir um papel de liderança que, reconhecendo a extrema diversidade cultural dos países lusófonos, consiga traduzir isso num rumo consequente para uma estrutura que, de outra forma, continuará a ser anódina no plano internacional e a funcionar apenas como uma prateleira conveniente para quadros do topo do Estados envolvidos sem outro poiso disponível.
E, para além de tudo isso, a Lusofonia só pode ser algo de consequente quando começar a ser feita por cá, dando espaço às culturas lusófonas minoritárias que já temos cá dentro e reconhecendo uma dignidade social às respectivas comunidades, o que não se consegue apenas com trabalho nas obras e discursos de belas palavras.
Enquanto isso não acontecer, a Lusofonia não passará de um enfeite, de uma ideia destinada a servir de remédio para algumas consciências culpadas.

AV1 (politicamente incorrecto)

3 comentários:

AV disse...

Exacto.
Os Congressos que se fazem, muitas vezes são apenas formas de turismo encapotado.
O intercãmbio é muito pouco ou é equivalente ao que se estabelece com gente de qualquer outra origem.
Participei recentemente num grande congresso luso-brasileiro, com centenas de participantes e, à hora das sessões, as salas tinham 15-20 pessoas, porque estava sol e o pessoal foi passear por Lisboa.
Fizeram bem, pois é o que muitos portugueses fazem quando vão ao Brasil, na volta do Correio.
A troca cultural, o sincretismo das experiências passa por outro lado, por algo que para mim infelizmente não existe, que seria uma genuína vontade de comunicar.

AV1

Anónimo disse...

É sempre bom verificar o nível de informação que as pessoas acham que têm sobre tudo e nada. Melhor seria fugir um pouco ao estado de ignorância e informar-se melhor sobre o que só ouviu falar e nem sabe onde nem porquê. Vai ver que se vai surpreender. Nem tudo são coisas á toa e superficiais na vida.

Eugénia

www.eugeniameloecastro.com

AV disse...

E pretensão e água benta... minha cara é coisa que também não falta a quem não se acha ignorante.
Mas, porventura, acha que as suas idas ao Brasil têm algum relevo especial por lá?
É só uma dúvida que me assalta, fruto de contacto com quem andou por lá.

AV1