sábado, dezembro 10, 2005

PDM Celestial






O Papa Bento XVI parece ter-se convertido à modernidade imobiliária e decidiu mandar fechar o Limbo (cf. p. 46. da revista Única), esse espaço celestial, aprovado por Pio X em 1905 em sessão plenária, pouco rentável e habitado apenas pelas almas defuntas de criancinhas não baptizadas.
Se recuarmos um par de milénios, certamente nos lembraremos que o Céu para onde todos vamos depois desta triste e vã vida terrena se dividia em Paraíso e Inferno, conforme se tivesse sido bonzinho ou mauzão.
Claro que as coisas se revelaram deficientemente planeadas porque, ainda antes dos tempos das Matas-Haris, Maes West, Louises Brooks, Avas Gardners, Marylins, etc, etc, se percebeu que a esmagadora maioria das chamadas gajas boas ia direitinha para o Inferno, enquanto o Paraíso se revelava um lugar algo desinteressante em termos de convívio e jet-set. Para além de que o clero foi percebendo que, a ser assim tão redutora a coisa, também muitos dos clérigos ficariam condenados às brasas escaldantes reservadas a todo e qualquer pecador relapso.
Vai daí, passado mais de um milénio de dolorosa e penosa reflexão, se inventou o Purgatório (formalmente criado em 1274 no Concílio de Lyon, sendo útil ler aqui toda a história da ideia), num anexo entre o Inferno e o Paraíso, destinado a fazer pernoitar as almas daqueles pecadores que, mesmo o sendo, fossem considerados merecedores de um perdão, após passarem por uns castigos mais ou menos severos.
Só que, nos entretantos, também se percebeu a injustiça que a Igreja Cristã reservava às crianças que tivessem fenecido sem tempo para o baptismo, por maleita fulminante ou desleixo paternal.
Foi aí que apareceu a ideia de criar o Limbo, institucionalizado em letra de lei, como já se disse, em 1905, que isto das coisas da fé levam tempo a amadurecer.
Como eram outros tempos, com pouca especulação, reservou-se uma área aprazível do Céu, na zona mais verdejante e florida do Paraíso, para que essas almas inocentes pudessem repousar em paz, sem o perigo de caírem no Purgatório ou Inferno, mas sem as devidas credenciais benzidas para acederem ao Paraíso propriamente dito.
Dito e feito.
Só que com o passar do tempo e o galopante número de almas a chegarem ao Céu, foram necessárias adaptações.
Mesmo incorpóreas, as almas gostam da sua privacidade e as mais habituadas a luxos ou as que se destacaram por martírios dolorosos na Terra, começaram a queixar-se e tal, que não havia direito a um descanso eterno em condições.
Foi assim que se tornou incontornável a necessidade de um reordenamento do território celestial e, como todos sabemos, nestes processos são sempre os mais fracos e indefesos que ficam a perder, neste caso as pobres almas infantis sem poiso certo.
Aberto o processo de revisão do PDM Celestial, o Limbo foi desanexado das áreas protegidas e intocáveis, sendo repartido em duas áreas para lotear entre o Purgatório e o Paraíso, com o objectivo de se criarem uns condomínios privados para almas de gente mais do que santa, como a Madre Teresa de Calcutá, o papa João Paulo II ou o monsenhor Escrivá de Balaguer, ou então reservados para as de figuras (eventualmente ainda entre nós) que tenham trazido a felicidade a milhares e milhares de pessoas, como sejam o caso do Tony Carreira, da Paris Hilton, do Steven Seagal ou da Pamela Anderson.
E assim se fez.
O Limbo fechou.
O espaço foi vedado com rapidez e vieram os catrapilas da Fadesa (filial celestial) para aplainar o terreno, desarborizar a área de construção e abrir os roços para as canalizações e os caboucos da novíssima Village Notabillis.
É o Progresso a chegar às mais altas instâncias e a Modernidade a olhar-nos lá do Alto, ensinando o caminho.
Quanto às almas das criancinhas, não se aflijam, porque lhes reservaram lugar nuns simpáticos blocos de celas, semelhantes aos dos antigos monges, mas tudo muito bom, com exelentes acabamentos de cólidade e um nome a condizer: a Quinta da Fonte das Almas.
E prontos...

AV1 (parvamente satisfeito com este post e excomungado pela 341ª vez desde que abriu o AVP)

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