Este texto, nem a ferros, conseguiria ser arrancado de um aparatchik.
Só quem é comunista de facto, no seu mais fundo âmago - mesmo que o negue e denuncie abertamente os erros do sistema e dos homens que o serviram - o poderia escrever.
Parece que para além do Abrupto (post de 15 de Janeiro), está também na revista Sábado:
«Nesse dia (9 de Janeiro), no seu meio, numa velha terra meia rural, meia mineira, Jerónimo de Sousa mostrou como a força de resistência do comunismo português assenta numa identidade histórica, hoje muito no passado, mas que é presentificada pela figura do secretário-geral, pela primeira vez um que sentem como sendo “deles”. Cunhal era respeitado e idolatrado, quase como um santo, na fase final da vida quando a doença o distanciou das sedes partidárias e dos comícios. Jerónimo é no palco a incarnação da sala.
Pouca gente como Jerónimo de Sousa fala para a “alma” comunista muito para além da política. Ele é um dirigente comunista popular, o que não é tão comum como isso. Não é por acaso que as camisolas vermelhas dos seus apoiantes dizem um familiar “Jerónimo”, coisa que nunca aconteceria com “Álvaro”, com “Octávio”, com “Carlos”, com “António”. Em Aljustrel, sem ler um papel, como é seu costume quando fala de política, Jerónimo fala da pequena chama que sempre se mantém acesa mesmo nos momentos mais difíceis, usando o exemplo da clandestinidade, as velhas metáforas de alguém mais velho, mais experiente que nos dá a mão quando caímos, que nos mostra que há futuro quando tudo soçobra. Está a preparar o partido para a vitória de Cavaco Silva.
Jerónimo sabe a língua de pau e as convenções, conhece o partido de dentro e sabe como ele se move. Mas tem uma vantagem sobre muitos dos burocratas que não saem das sedes e das reuniões de organismos. Jerónimo conhece o eleitorado comunista, não conhece só o partido. Pode falar aos deficientes das Forças Armadas, dizendo naturalmente que também esteve na guerra (desobedecendo ás instruções do PCP, que pedia aos seus militantes que fizessem o serviço militar e depois desertassem), pode falar dos seus namoricos, da sua infância, do seu trabalho como afinador de máquinas. Conta que não podia ter o cabelo comprido, quando ele se usava entre os jovens, porque isso era incompatível com a higiene exigida numa fábrica, onde as máquinas sujam tudo de óleo, e onde é perigoso deixar-se “agarrar” por uma alavanca, uma roldana ou uma roda dentada.
Isto é o tipo de frases que só quem conhece o mundo fabril de dentro pode dizer, e que obviamente mais ninguém na primeira divisão da vida política portuguesa sabe ou pode dizer. É outro mundo, que os yuppies, os funcionários públicos, os estudantes da Católica, os jornalistas, os frequentadores do Lux, os “jovens” da JSD e da JS, os autores de blogues, não conhecem e não lhes passa pela cabeça que lhes digam que também “é a cultura, estúpidos!”.
Por isso Jerónimo de Sousa está a revelar-se o melhor líder para o PCP, – vejam até como os “renovadores desapareceram do mapa político –, na sua difícil sobrevivência e na sua mutação. Porque o PCP muda devagar, mas muda. Cunhal falava do partido para a História, Jerónimo fala do partido para os trabalhadores. Não é a mesma coisa, mas os tempos também são diferentes.»
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