domingo, maio 14, 2006

Informação e Opinião: Quem paga quando são grátis ?

Um dos assuntos mais na berra ultimamente passa pela erosão das tiragens dos meios de comunicação social escrita, em especial da imprensa diária não desportiva.
Explicam os entendidos, e em parte com razão, que os jornais convencionais em papel têm sofrido com o aparecimento de jornais gratuitos que lhe levam muitos leitores das classes D e C, enquanto a blogosfera lhe leva muitos das classe A e B.
Isto não é descabido, embora seja verdade é que, para o caso nacional, a questão só está parcialmente bem colocada, pois há imprensa paga que continua a manter o seu público (Expresso, Visão, JN, Correio da Manhã, fora os desportivos, claro), para além de que existe a necessidade de determinar bem até que ponto há transferência de audiências de um DN em queda para produtos como o metro ou o Destak.

É que um jornal gratuito, nos moldes que se têm vindo a tornar comuns, subverte uma relação tradicional que já há muito anda meio adulterada, entre os jornais e o seu público.
Até há umas décadas, os jornais sobreviviam das suas tiragens, sendo a publicidade um complemento bem-vindo.
Agora, na sequência do brutal acréscimo de custos sofrido pela imprensa, não apenas em termos de custos com os materiais, mas também com o crescente pessoal envolvido na sua produção, desde pessoal técnico aos opinadores, passando pelos jornalistas propriamente ditos, a publicidade passou a ser o factor essencial para o equilíbrio de uma publicação.
Ora, os jornais gratuitos baseiam-se em reduzidos quadros de pessoal, quase sem profissionais do jornalismo e com colunas de opinião quase em regime de franchising, para diminuir os custos. Os jornais gratuitos fazem lembrar as velhas gazetas dos primórdios da imprensa periódica em que se davam apenas notícias inócuas, sem especial investigação, quase como se de uma mera agência de circulação de informação “oficial se tratasse. Só que antigamente, porém, não havia publicidade e as pessoas pagavam para ter informação.
Agora que a informação circula por todo o lado de forma quase gratuita (televisão e net não são totalmente gratuitas, mesmo se a primeira o parece), só se paga por essa informação se ela tiver um valor acrescentado.
E é aí que os jornais de qualidade têm apostado, não tanto num jornalismo de investigação que continua a faltar, mas na divulgação da opinião de quem se julga atrair leitores aos jornais.
Se repararem, as páginas e colunas de “opinião” do Público, do DN, do JN, do Expresso, da Visão, da Sábado, etc, aumentaram imenso e os opinadores são anunciados como se fossem um dos principais, se não o principal, aval da qualidade de um jornal.
O Público arrecadou o Pacheco Pereira, o António Barreto, a Filomena Mónica, o Lobo Xavier, o Pulido Valente, o Prado Coelho etc, etc (muitos etcs) e ganhou esse campeonato ao DN, pelo menos a sul do Mondego, levando-o ao tapete.
Só que tudo isso custa dinheiro, muito dinheiro, e os jornais vendidos (50-60.000 com sorte) , não cobrem os custos, nem de perto, nem de longe.
Para mais, porque alguns desses opinadores depois divulgam os seus textos em blogs e curto-circuitam todo o processo.
Vai daí a publicidade entra em força e condiciona muito pois certos grandes grupos têm o poder de influenciar muita coisa com os seus chorudos contratos de publicidade.
Interessará apertar muito no assunto dos lucros da Banca, se o Millenium, o BPI, o Santander ou o BES andarem com grandes pacotes publicitários para vender ?
Haverá interesse em aprofundar investigações em outros sectores delicados da finança ou economia (farmacêuticas, empresas de comunicações, sector automóvel) e perder páginas de publicidade bem paga?
Duvido.
Alguém se esqueceu do brutal diferendo entre a Edimpresa, via Expresso, com o BES por causa de umas notícias mal-vindas?
Já repararam quem patrocina agora aqueles desdobráveis imensos que lá aparecem dentro do saco?
E notícias sobre o BES?
Já os jornais gratuitos, assépticos, sem opinião, distribuídos de graça, não levantam esse problema e são muito mais vulneráveis a "patrocínios".
Mas também a sua credibilidade é curta junto das classes mais esclarecidas e/ou das que serão o público-alvo de alguns grandes investidores publicitários, mesmo se funcionará junto de clientes de telemóveis de massas ou de créditos imediatos e outras promessas de consumo fácil.

Tudo isto para dizer que a imprensa paga tem como vantagem junto dos seus anunciantes, a eventual “qualidade” dos seus leitores, enquanto a imprensa gratuita aposta na oferta da “quantidade” desses mesmos leitores.
Em comum, têm ainda e felizmente a dependência dos seus leitores junto dos anunciantes que cada vez mais cobrem mais os custos da circulação de informação e opinião. Com efeito é a publicidade, comercial e institucional, que paga a informação e opinião que consumimos nos meios de comunicação convencionais, mesmo quando isso pode não ser evidente. E o perigo de informação e opinião “plantadas” estrategicamente nunca foi tão grande. Nisso e só nisso é que Carrilho tem razão, por exemplo, no seu livro. Quanto ao resto, são os desgostos de quem se viu na mó de baixo no “sistema”.

Por isso também, é que a blogosfera se foi afirmando como alternativa credível aos meios de comunicação social convencionais pois, ao ter custos mínimos e assentar basicamente no gosto de quem mantém os blogs – e por cá ainda a sua comercialização é incipiente – a sua dependência de “patrocínios” é diminuta.
Por isso mesmo é que quem quer ter alguma informação não formatada pelos interesses e uma opinião livre de constrangimentos recorre aos blogs.
Em especial aos que merecem confiança ou dão prazer de ler e consultar.
Para correias de transmissão, temos muito do resto,

(continuará…)

AV1

Nota final: Já repararam que é no campo do jornalismo desportivo que a crise é menor, mas também menor o impacto da blogosfera, sendo raros os blogs de opinadores desportivos com relevo?

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