IX – Como manter a coerência
Esta é matéria de mais difícil aplicação.
Como manter a coerência, nos tempos que correm, com os hábitos e vícios que formos adquirindo, com a cultura da facilidade, da aparência e da mentira que temos vindo pacientemente a construir, não é tarefa nada fácil.
Mas podemos sempre arranjar umas orientações simples.
Antes de mais, se possível antes de sermos muito velhinhos, convirá saber naquilo em que acreditamos, seja para a nossa conduta pessoal seja como modelo de funcionamento da sociedade. Não quer dizer que não venhamos a mudar mas, por favor, sem que seja como aqueles convictos salazaristas que em 26 de Abril de 1974 eram democratas de gema e desataram a aderir ao PPD, PS e outros, nem como aqueles puros comunistas que, quando caiu o Muro de Berlim, descobriram logo que, afinal, não era em nada daquilo que acreditavam e correram a aderir ao PSD, PS e outros.
Em seguida, convém orientarmos os nossos actos pelas nossas palavras, ou então que o discurso se adeque às acções. Não vale a pena ser todo pró-povinho e depois correr a facilitar a vida às seguradoras, bancos e demais grupos poderosos em matéria de isenções fiscais ou ser todo revolucionário e colectivista e, depois na vida privada, explorar os seus dependentes até mais não.
Por fim, caso ultrapasse as duas fases anteriores (ter convicções e colocá-las em prática), é de grande utilidade não mudar de estratégia quando o vento começa a soprar a favor. Não vale protestar por tudo e por nada e depois, à cata do subsídio ou do apoiozinho amigo, passar-se logo para a trincheira adversária, às claras ou no escurinho dos lençóis. Não vale a pena ser sindicalista fervoroso se, à primeira oportunidade, se aceita logo pertencer a grupos de trabalho para estudar um qualquer fenómeno que a ninguém interessa ou ser um contestatário do poder e defensor da transparência se a ideia é apenas ganhar um lugar de assessoria de comunicação, criado exactamente para enganar os papalvos que estavam atrás na fila da manifestação. Não vale a pena bater no peito como católico dos quatro costados e depois, no dia a dia, espezinhar 12 dos 10 mandamentos, com a desculpa da relatividade dos tempos ou ser pró-vida de cruz ao peito e ecografia a tremular nas mãos e, quando a namorada engravida, pagar o desmancho em Badajoz ou Santo Tirso. Ou seja, para exemplificar com caso da actualidade, não vale a pena ser bloquista e dizer de Sócrates o que Maomé não disse do toucinho rançoso se a ideia é trocar uma viabilização parlamentar de um governo minoritário em troca de uns financiamentos discretos à actividade profissional de uns quantos membros da oligarquia dirigente (piada pouco subtil à malta do blog Barnabé... e não só).
Ou ainda para exemplificar mais no concreto, não vale a pena andar a fazer blogs (ou outro tipo de iniciativas) a dizer mal do poder moiteiro e depois solicitar (e aceitar), à sorrelfa, apoios da CMM, em troca de uma gradual docilidade.
Porque, se estamos convictos das nossas ideias, o objectivo é mudar as atitudes e as práticas, não apenas organizarmos a nossa vidinha, já lá dizia o saudoso professor Marcelo (Rebelo de Sousa).
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