sábado, dezembro 25, 2004

12 decisões para o Novo Ano

VI – Como não chegar atrasado ou como utilizar um relógio de forma útil

Como tudo o que é básico, é muito simples: basta chegar às horas a que está marcado qualquer compromisso.
Como qualquer pessoa que viva num país normal sabe, cumprir os horários – algo a que se chama PONTUALIDADE, e que é desconhecida em quase todo o nosso país – é meio caminho andado para a eficiência e para a produtividade. Por isso, não admira que continuemos a marcar passo.
Diz-se que o chegar atrasado é um traço de personalidade dos portugueses, em especial no seu torrão natal (perguntem lá aos emigrantes se é assim lá fora). O hábito atravessa idades e classes sociais. Do puto que chega atrasado à Escola com a desculpa mais esfarrapada da paróquia ao senhor doutor que, para alimentar a conta bancária, anda de consultório em posto de saúde, deixando os doentes a “secar” à sua espera, todos abusam em maior ou menor escala. Assim como se encontra desde o plano individual ao institucional, do funcionário público que nunca está no seu lugar à hora indicada no horário aos transportes públicos que chegam quando chegam (há uns anos, a CP era especialista nesta área).
Em Portugal, a gestão do tempo disponível não existe, pois quase toda a gente toma o tempo como um ponto de referência vago e abstracto que realmente é e com aquela atitude de nada disto (os minutos e as horas, quando não os dias) ter importância de um ponto de vista do tempo cósmico.
Toda a gente arranja uma desculpa para a falta de planeamento do seu tempo ou para a pura e simples falta de respeito pelos outros. O relógio, mais do que um instrumento útil é encarado como um objecto decorativo (daí o sucesso esmagador de todo o tipo de Swatch) ou de ostentação (veja-se a vidração de qualquer colunável ou empresário de sucesso em Rolex e Breitling).
No entanto, a organização do tempo é um factor decisivo para aferir como os indivíduos ou os povos encaram a vida e a disciplina indispensável para fazer qualquer coisa como deve ser.
Cá, como nos fiamos no nosso génio natural para o desenrascanço à última da hora, faz-se tudo na véspera, desde estudar para um exame até acabar os acessos para um centro comercial ou estádio de futebol do Euro.
Lembro-me de visitar a Expo poucos dias antes de abrir ao público e de reparar que existiam imensos montes de entulho por remover em algumas zonas do recinto. Uma pessoa ligada à organização disse-me que não havia problema algum porque, se até à véspera não fosse possível removê-los, bastava estender daqueles tapetes de relva que agora existem e que tapam tupo que seja necessário ocultar. E, com efeito, quando lá voltei, lá encontrei umas mini-colinas relvadas, muito a propósito em alguns dos locais que tinham funcionado como “caixote do lixo” a céu aberto.
No entanto, isto não passa de truque, de aldrabice para enganar o próximo.
Quando chamamos a atenção de alguém para o atraso, são invariáveis resposta do tipo, “Oh, homem, deixe-se lá disso, não stresse que lhe faz mal ao coração !” ou “Estou aqui não estou ?” ou ainda “ora não me querem lá ver que se calhar até levas o relógio para a casa de banho ?”.
O engraçado é reparar no choque dos estrangeiros quando batem de frente com este nosso tipo de hábitos. Normalmente, a reacção é de pura incredulidade, tanto maior quanto reparam que, pelo menos por cá, nada é eficaz para contrariar estes nossos encantadores traços de carácter, em especial aquele que afirma que o tempo é uma mera ilusão do intelecto.

«Um suiço tem as coisas facilitadas. Um suiço é alguém que, levantando-se às sete horas, sabe que são sete horas. Mas um português, como saberá ele tal coisa ? (...) O suiço fez-se rico à custa do seu tempo infantil, o português nem se atreve a confiar a ninguém a sua invenção.»
(Gerrit Komrij, Um Almoço de Negócios em Sintra, Ed. Asa, 1999, pp. 143-144.)

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