sexta-feira, dezembro 31, 2004

Colaboração de J. Silva

Para quando o Museu Municipal de Alhos Vedros ?

De acordo com notícia já com algumas semanas, o Museu Municipal de Palmela ganhou um prémio de qualidade da Associação de Municípios do Distrito de Setúbal. Há poucos dias, abriu o Museu Industrial do Quimiparque no Barreiro, juntando-se ao Museu Municipal já existente nesse município, instalado no recuperado Museu da Madre de Deus da Verderena, outrora incluído no termo de Alhos vedros.
Aqui na zona, temos ainda Museus Municipais nos concelhos de Alcochete e do Montijo, do Ecomuseu do Seixal, o Museu da Cidade de Almada, para não falar de Setúbal e Sesimbra.
A Moita faz neste contexto o papel de avis rara, pois de museus nem é bom falar. Então de recuperação do património edificado nem é bom falar, para não escrever grosso disparate. Quanto muito, ainda inventam é um museu da tauromaquia e fazem dele o símbolo da cultura do concelho.
No entanto, a História, o Património e as Tradições do que agora é o concelho da Moita só muito recentemente têm algo a ver com as actividades taurinas. Esta foi sempre uma zona ligadas às actividades económicas tradicionais numa região simultaneamente ribeirinha e rural: a construção naval, a pesca, a salicultura, mas também a silvicultura e indústrias associadas (com destaque no século XX para os fabricos de cortiça), a agricultura, a vinicultura, a moagem e panificação, a cerâmica, a etc, etc. Tudo isso existia no antigo concelho de Alhos Vedros, nos seus tempos áureos da Idade Média ao período da Expansão Portuguesa (cf. Cláudio Torres, “A Outra Banda” in O Livro de Lisboa, Livros Horizonte, pp. 169-174).
Apesar do grande abandono a que os vestígios e testemunhos desses tempos têm sido votados, ainda pesistem teimosamente na nossa terra sinais de tudo isso.
Virada para o rio desde as suas origens, a vila de Alhos Vedros foi até ao século XIX uma terra com as suas grandes vias “urbanas” (a velha Rua Direita, com ou sem este nome, é a actual Cândido dos Reis, e a igualmente provecta Rua dos Pinheiros, a actual 5 de Outubro) paralelas ao rio e com um vasto hinterland rural. Ao longo daquelas artérias e na área do Cais Velho, situavam-se as principais estruturas residenciais, administrativas e económicas, de que o pelourinho, a demolida Cadeia, a Misericórida (uma das mais antigas do país, fundada por D. Leonor logo depois da de Lisboa), a Matriz dedicada ao orago S. Lourenço. Para norte situavam-se zonas de maninhos e salinas, enquanto para leste e se estendiam numerosas quintas e para sul terrenos baldios de mato e floresta.Por tudo isso, e porque até há um quarto de século Alhos Vedros ainda mantinha como seu traço definidor um certo arcaísmo urbanístico onde era fácil detectar as suas zonas de expansão e as suas antigas zonas nobres, se tinha justificado o projecto de criação de um Museu, no modelo dos Ecomuseus polinucleados e abertos para a comunidade. Agora, apesar dos desmandos do poder autárquico moiteiro, ainda se justifica ou, melhor ainda, agora é que se justifica mesmo a criação de um Museu das Actividades Tradicionais destinado a preservar uma memória que se vai perdendo cada vez mais, organizado de forma dinâmica, com uma lógica plurisdisciplinar e em articulação com os estabelecimentos de ensino.
Ao contrário dos tradicionais museus fechados, centralizados, este devia ser um Museu Aberto, espalhado pela Vila, com diversos pólos temáticos interligados, sendo que a zona que se estende do Cais Velho à Matriz funcionaria como eixo estruturante. A criação do Parque das Salinas, no esplendor de todos os seus equívocos, foi uma oportunidade perdida neste aspecto, pois foi ocupar um espaço rico em actividades tradicionais, delas apenas aproveitando o nome.
As propostas no sentido da criação de um Museu em Alhos vedros nunca tiveram nem uma receptividade séria por parte dos poderes instituídos, nem continuidade por parte dos proponentes, num caso por manifesta falta de visão estratégica e visão política e, no outro, por inexistência de projectos concretos viáveis e fundamentados. Com muito menos do que a CMM vai investir na (constante) requalificação da Marginal da Moita (já perdi a conta às intervenções complementares, contraditórias, reformuladoras, etc), a qual não tem qualquer especial valor patrimonial ou histórico, seria possível desenvolver um projecto museológico de qualidade em Alhos Vedros, que se tornasse um foco de desenvolvimento cultural.
Só que os de lá não querem (a ideia ofende-lhes os pergaminhos) e os de cá não forçam (satisfazem-se com migalhas do bolo), entre o comodismo e a auto-satisfação com as reclamações do momento,Articular, um pouco como no Seixal, esse Museu Municipal com o núcleo de construção naval do Gaio seria ideal mas, infelizmente, parece ser ideia que não está ao alcance de quem gere o que se chama cultura na Moita e que detém um poder para quem o progresso é um punhado de rotundas entre o Pinhal Castanho e a ribeira da Moita.
Quando surgir um Museu neste concelho, veremos a noção que esta gente tem deste tido de iniciativas.
Só por milagre não será na Moita.
Só por acidente, não meterá touros e bosta.
Só por distracção fará justiça ao passado e ao verdadeiro legado histórico e patrimonial da região.


José Silva, Natal de 2005

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