domingo, dezembro 26, 2004

Ética jornalística, Direitos de autor e Blogs

Segue-se um texto do Público de hoje em que se analisam casos em que jornalistas fazem peças com base em textos de blogs, não os mencionando como fontes, mesmo depois de contactarem os seus autores (anónimos ou não). Como estamos em festividades, vamos recorrendo ao material de outros, mas sempre citando a fonte.

A Coluna do Provedor do Leitor: Copyright na Net
Por JOAQUIM FURTADO
Domingo, 26 de Dezembro de 2004


DOIS TEXTOS DO PÚBLICO, comentados na blogosfera dos últimos dias. Ambos com origem em blogues, mas publicados sem essa referência.
O leitor Paulo Gorjão, ele próprio "blogger", pergunta a opinião do provedor. Pergunta também o que pensa o jornal e como agiu em ambos os casos. E reclama transparência: "A pior coisa é o silêncio, uma vez que permite que cada leitor (...) forme a sua própria opinião, muitas vezes erradamente".
O primeiro dos casos: na edição do passado dia 15, no caderno Local Lisboa, Catarina Serra Lopes (CSL), colaboradora do jornal, contou o episódio de dois "cartazes anónimos" sucessivamente surgidos na zona do Marquês de Pombal e sucessivamente retirados pelos serviços municipais. O caso fora relatado no blogue "Substrato", cujos autores anónimos eram também os anónimos autores dos cartazes. Disso mesmo - explica Tiago Luz Pedro (TLP), editor do Local Lisboa - informaram o PÚBLICO, o que levou a novos contactos para a preparação do artigo publicado. Nele estão patentes os contactos, mas não a fonte que, originariamente, relatara os factos.
NA EDIÇÃO SEGUINTE, A RUBRICA "O PÚBLICO errou" citava a fonte não mencionada no texto da véspera, reparo que - conforme TLP - surge na sequência de acusação de plágio feita, telefonicamente, pelo "blogger" e depois de o editor ter lido o blogue e ouvido a jornalista: "Sobre as informações que também estavam no blogue, C.S.L. disse-me que tinha tido o cuidado - 'como faço sempre' - de as comprovar uma a uma com o seu autor, que as teria assim transmitido também por telefone. Por isso, disse-me ainda, não se sentiu no dever de referir a existência do blogue no seu texto. Discordei - acrescenta o editor - por duas razões simples: o blogue fora o veículo que nos tinha permitido chegar à fala com os autores dos cartazes e a sua não existência teria tornado virtualmente impossível esse contacto; e porque a simples menção da sua existência permitiria dar informação suplementar ao leitor, para mais sabendo-se que o blogue funciona aqui como meio primordial de publicitação da actividade dos seus mentores". Mas - termina TLP - afastei, de imediato, a tese de plágio: a jornalista limitou-se a recolher informação relevante para o seu trabalho (a origem da ideia dos cartazes e o "modus operandi" do grupo) e serviu-se dela com o único fito de contar uma história que, de outra forma, perderia profundidade e substância; jamais transcreveu 'ipsis verbis' os conteúdos do blogue e teve a preocupação de confirmá-los por contacto telefónico, o meio que lhe pareceu oferecer maiores garantias. Enfim, o que todos nós, jornalistas, fazemos todos os dias, a toda a hora".
CATARINA SERRA LOPES EXPLICA a sua conduta, rejeitando as acusações de plágio: "reafirmo que todo o seu conteúdo foi retirado de uma entrevista telefónica com o autor anónimo do blog Substrato (...) Se as informações contidas no artigo são idênticas às publicadas no referido blog, julgo relacionar-se com o facto da história escrita no blog e no jornal ser sobre o mesmo assunto e contada pela mesma pessoa. A única razão pela qual as citações redigidas no artigo não estão identificadas é pelo direito de anonimato exigido por quem as proferiu e por mim respeitado".
Algumas observações: ainda que se reconheça que a exigência de anonimato possa introduzir alguma ambiguidade na apreciação (se a jornalista contacta os autores do blogue não os quererá omitir) o blogue surge como parte integrante da notícia enquanto fonte e elemento de informação. Devia, pois, ser referido, mesmo que o autor tenha repetido o seu conteúdo à jornalista e não foi. Este erro, não parece contudo autorizar uma ideia daquilo que se entende por plágio, considerando os argumentos de CSL e a apreciação do editor que, de resto, acompanhou o caso de forma adequada, levando à publicação de "O PÚBLICO errou", onde se nomeia a fonte de "algumas informações" contidas no artigo.
O SEGUNDO CASO: NO PASSADO DIA 19, o caderno Local Centro inclui um artigo sobre um edifício de Viseu. Expressões e um excerto do texto, constavam de um "post" antes publicado no blogue "Arqueoblogo"que, no entanto, não era citado. O facto foi reconhecido na rubrica "O PÚBLICO Errou" e, dois dias depois, assumido, em nota da Direcção Editorial, como "grave violação" do Livro de Estilo do jornal: "Por muito que o recurso a múltiplas fontes de informação, situação corrente na produção jornalística, possa, eventualmente, gerar omissões quanto às suas origens, a situação observada é, ainda assim, grave".Informando que, em consequência, fora decidido "suspender, com efeitos imediatos, a colaboração com a autora da notícia", pedia-se "desculpa ao autor das informações usadas sem a devida referência e aos leitores".
A autora do texto é estagiária de jornalismo. Depois de consultada sobre se pretendia intervir nesta coluna, aceitou e reconhece o erro: "Admito que é muito grave ter colocado duas frases retiradas de um blog sem ter referenciado o seu autor e, desde já apresento as minhas desculpas. O tema do artigo, já por si só exigia que me baseasse em meios de informação distintos (...) Consultei o maior número possível desses suportes para que o produto final que viesse a ser publicado fosse consistente e de total veracidade." Marta Rodrigues não é ainda profissional, como sublinha ao afirmar-se "jornalista, mas na condição de formanda".
CONFORME O SUBDIRECTOR AMÍLcar Correia, editor desta peça, "o trabalho de um estagiário nas redacções ou delegações do jornal é devidamente enquadrado pelos respectivos editores das secções para as quais os textos são produzidos e pelos directores de fecho em funções".
Sendo natural que neste enquadramento não haja uma especial preocupação com a prevenção de situações como esta (aspectos primários na aprendizagem universitária) parece natural que, a partir de agora, passe a haver. Poderá, pelo menos, evitar casos de ingenuidade de que - como comenta o director do jornal - este parece ser um exemplo.
José Manuel Fernandes distingue assim os dois casos - Local Lisboa e Local Centro: "o de Catarina Serra Lopes (...) não me parece um plágio do tipo clássico, mas uma forma incorrecta de tratar a informação, pois omite a fonte. A jornalista (...) foi chamada à atenção pelo editor e o jornal editou um "O PÚBLICO errou". O caso de Viseu é mais complicado e mostra sobretudo ingenuidade. A jornalista era uma estagiária, retirou a informação do blog, desenvolveu-a (...) o texto dela era umas cinco ou seis vezes maior (...) para isso teve de realizar investigação própria. Por falta de experiência, ingenuidade, má formação dada na Universidade, copia as passagens do blog tal e qual, quando este só, no fundo, lhe teria dado a ideia".
O JORNAL COMETEU, EM CONCLUsão, dois erros, reconheceu-os nas suas páginas como era, aliás, seu dever, deixando claro quais deveriam ter sido os procedimentos correctos. O processo de reflexão interna produzido pelos responsáveis do jornal e exposto nesta coluna, responde à transparência reclamada pelo leitor.

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