quarta-feira, novembro 16, 2005

O problema não é a idade !

Uma linha de ataque à candidatura de Mário Soares, usada principalmente a partir da direita, mas com uns deslizes nas da esquerda, prende-se com a idade provecta do senhor e, por via disso, da sua desadequação ao exercício do cargo de Presidente da República.
Ora bem, essa linha de ataque está errada por várias razões, entre as quais destacaria:

a) O cargo de Presidente da República não é assim tão estafante. na maior parte do tempo, é apenas chato como o tédio.
b) Há tipos com 80 anos mais activos e intelectualmente estimulantes do que muita malta nova ou com 30 a 50 anos. Eu ia dar exemplos concretos, mas depois dizem que sou má-língua.
c) Um ataque deste tipo, quando assumido muito acintosamente, faz ricochete e apenas desperta a estima por quem está a ser destratado, ainda para mais sendo um idoso bonacheirão.

Por isso, a principal linha de ataque, não ideológica e conforme às posições do próprio, à candidatura de Mário Soares passa pela crítica ao facto de ele já ter completado o seu cursus honorum na vida política portuguesa, com a devida distinção, e ser um erro retroceder para voltar a algo que já fez.
É que na vida política interna de uma República, existem três cargos políticos de topo, o de Primeiro-Ministro (área executiva), o de Presidente da Assembleia da República (poder legislativo) e o de Presidente da República (antigamente até poderia considerar-se um quarto poder moderador) e um ou dois na área do poder judicial (Presidente do Tribunal Constitucional sendo o principal).
Enquanto na área do poder judicial, a progressão segue os passos de uma carreira que deve ser independente do poder político e das flutuações eleitorais, na área política existe uma progressão que pode ser mais ou menos acidentada e que, nos tempos que correm, nem sempre é muito gradual.
A única regra que tem sido cumprida até agora, é a de o topo do poder legislativo (Presidente da AR), ficar por aí e não se repetir no cargo nem tentar passar para a Presidência da República (embora o Mota Amaral até nem fosse mal pensado, obras à parte).
Existem casos de evidente precocidade da chegada ao topo, queimando etapas, como Ramalho Eanes, que depois ficou metade da vida a olhar para os outros a passar; assim como existem casos de progressão clássica, sendo Mário Soares o exemplo de um expoente desse tipo, só traído pela falta de uma projecção internacional de tipo institucional (falhou claramente a eleição para a Presidência do Parlamento Europeu, já na altura por não ter percebido que a malta da sua geração perdera os cordelinhos do poder).
Depois, existem aqueles casos menores (Guterres, Barroso) que saltam para fora, antes de tentarem cumprir a carreira cá dentro ou os que nunca conseguem preencher o seu desígnio de forma completa (Freitas sendo o caso mais notório) ou o fazem de uma forma paradoxal (Cunhal e a sua constante vida de Oposição; Marcelo e a sua vocação de analista permanente).
Ora o que temos com Mário Soares é alguém que, por empurrões "amigos" ou por vaidade pessoal, mais do que por necessidade ou verdadeiro apelo de "missão", reaparece na vida política, descendo do patamar em que se instalara, para vir dar luta aos meros mortais.E o problema é que já tivemos demasiadas décadas de Mário Soares e, se não estamos cansados dele como alguém sempre disponível para uns bitaites, estamos já fartos de o ver no poleiro com a clientela do costume dependurada.
Ele já cumpriu a sua missão neste torrão à beira-mar plantado.
Deve dar lugar a outros, não por serem mais novos, mas por serem outros, que não tragam mais do mesmo que nos trouxe até aqui.
Nenhum dos outros quatro candidatos é assim tão mau, que Mário Soares não pudesse desistir em seu favor, em vez de ser o contrário a acontecer.
Cavaco ainda não cumpriu a sua missão de forma completa, gostemos dele ou não.
Manuel Alegre cumpriu apenas a parte criativa, tendo a política ficado sempre na sombra do próprio Soares.
Jerónimo de Sousa e Louçã, enfim, são jovens, têm a vida à sua frente, mas, dentro do género, cumprem a sua missão o melhor que podem.
Portanto, por paradoxal que seja, Mário Soares é, na minha opinião, o único candidato com boas condições e razões para desistir.
Mas não por causa da idade.

AV1

Sem comentários: