Completando o que o AV2 tem escrito sobre o que se tem passado nos arredores de Paris nas últimas noites gostava apenas de acrescentar um ou dois detalhes.
A primeira vez que estive em Paris foi ainda nos anos 90, há pouco menos de uma década, e fiquei (muito bem) hospedado na zona de Montmartre onde existem sinais de modernidade, como uma estação de TGV, alguns hotéis de grandes cadeias, a enorme Tour Montparnasse com as suas Galerias Lafayette, uma enorme estação de cruzamento de linhas de metro, ao lado dos sinais mais tradicionais da zona, como os pequenos teatros, os peep-shows, os restaurantes e alguma - já reduzida - zona residencial com as suas boulangeries e cafés.
A zona, não sendo muito agradável, era interessante pela mistura que demonstrava ser.
Só que o problema era já o aparato securitário existente, desde a segurança nas estações de metro com polícias de arma automática nas mãos e cães pela trela ao interpelamento (nem sempre bem recebido) nas ruas a quem se mostrava com comportamento menos consentâneo com as normas, dos sem-abrigo recolhidos nos vãos de porta a grupos de ciclistas errantes de casa às costas.
Confesso que, por uma ou duas vezes, estive quase a ver o caldo entornado e passei ao fim de um par de dias a escolher trajectos com mais cuidado e a evitar sair à noite só com a minha cara-metade.
E isto no centro de Paris.
Mais tarde, voltei lá, mas fiquei alojado nos arredores, a umas dezenas de kms do centro, para onde me deslocava de comboio pela manhã, atravessando estas zonas agora mostradas como centro dos problemas.
É verdade que são zonas claramente suburbanizadas no mau sentido, com equipamentos sociais nem sempre dos melhores e uma população crescentemente "não-europeia" e social e economicamente vulnerável.
O curioso é que, mesmo de perto, essas zonas não se distinguem muito daqueles dormitórios que, por cá, fazem a cintura suburbana de Lisboa e, mais em particular, que encontramos pela Margem Sul e bem perto de nós.
Quase todos aqueles bairros têm zonas verdes envolventes, um ou mais campos de jogos e os próprios blocos de apartamentos estão muito longe de ser aqueles caixotes que nós vemos por aí, com as tintas a cair, porque os inquilinos ou donos não têm meios para os manter e as autoridades não consideram ser sua obrigação conservar.
Por isso, aquilo que mais me atemoriza é se/quando este tipo de problemas surgir entre nós, quais serão as suas consequências e como estarão os nossos políticos (nacionais e locais) preparados para os enfrentar.
À moda trauliteira de Sarkhozy, o Ministro francês do Interior - e pré-candidato presidencial que irá tentar fazer a ponte entre o tradicional elitorado gaulista e o de Le Pen - ou da forma "politicamente correcta", mas profundamente ineficaz de uma certa esquerda incapaz de perceber que os problemas, antes de se remediar, se previnem pró-activamente ?
Porque, entre nós, os sinais andam por aí, na insegurança dos transportes públicos em certos horários, no perigo de certos espaços a qualquer hora do dia, na desorientação da acção policial, na vulnerabilidade de muitos grupos sociais úteis como trabalho barato, mas descartáveis como cidadãos.
A solução para muitos destes problemas está, como sempre, num desenvolvimento económico socialmente distribuído e em políticas de integração multicultural que não sejam pretexto para meras encenações de convivência e eventos circunscritos a um par de dias no ano.
Ora isso por cá, por muitos estudos que se façam e muitos grupos de trabalho e comissariados que se criem, é algo que não existe e, mais grave, nem se entrevê na classe política qualquer preocupação séria com este tipo de problemas.
E qualquer dia será tarde.
AV1
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