«No entanto as regras da democracia são para cumprir com o risco de colocar em causa o próprio regime. Em termos locais existem canais próprios para as sugestões/reclamações. Estes devem ser seguidos e se necessários alterados, mas sempre por quem de direito.»
Amigo Nuno,
Este frase vem na sequência de observações sobre aspectos importantes, mas que eu não consideraria essenciais no exercício da cidadania, mas meramente da civilidade e da boa convivência em comunidade (mau estacionamento, dejectos caninos, lixo, etc).
A cidadania é mais, muito mais do que isso.
Mas não é esse aspecto que eu aqui queria apontar-lhe como algo desajustado na sua argumentação.
O que acho estranho é que, como membro de um partido de matriz revolucionária e anti-sistémica, pelo menos (e agora ainda mais) ideologicamente oposto à sociedade liberal burguesa em que vivemos, o meu amigo venha defender o status quo e "os canais próprios" como única forma de exercício da indignação cívica.
Fosse o Nuno um cinzento burocrata do Bloco central e eu perceberia a linha de argumentação e a defesa da boa ordem e estabilidade do "regime".
Só que não bate a bota (o que se diz) com a perdigota (os princípios ideológicos que vigorosamente se afirmam).
Para mim nunca foi estranho que quem luta de forma revolucionário pelo Poder se torne conservador quando o toma como seu. Mas acho sempre interessantes as formulações que pretendem conciliar as duas coisas, como se não fossem incompatíveis.
Desculpe-me lá Nuno, mas a sua teoria levada à prática com rigor tornaria impossível (hesito chegar ao "ilegal") a denúncia de situações pela comunicação social ou por qualquer meio público de comunicação.
Quer o Nuno dizer que nos jornais, nas rádios, nos blogs, os cidadãos não têm o direito a expressar o seu desacordo perante aquilo que observam no seu quotidiano ?
Acha o amigo Nuno que é a via burocrática da reclamaçãozinha em papel (metaforicamente) timbrado e selado que vai despertar o poder político do seu entorpecimento e fazê-lo agir ?
Acha que é assim que vamos resolver todos os problemas ?
Então porque é que os trabalhadores e os sindicatos não ficam em casa e mandam o "papelinho" pelos "canais próprios" para reivindicar os seus direitos e ficam à espera da resposta na volta do Correio, para "não colocar em causa o regime" ?
Amigo Nuno, sabe que estimo a sua opinião e o respeito como pessoa, mesmo não o conhecendo de carne e osso.
Só que é impossível ler o que escreveu, saber que é militante do PCP e não me agarrar à cabeça, sem perceber como é que é possível que esteja convencido do que escreveu.
Eu, não sendo marxista-leninista, mas apenas tendencialmente um anarquista resignado às desvantagens da anarquia (não é assim tão estranho), considero que o direito ao protesto é tão natural como a liberdade.
Por isso, não tenho pruridos contra os movimentos revolucionários.
Por isso, acho que quem acha que um poder é mal exercido, deve ser denunciado por todas as vias possíveis.
Pelo contrário, a levar à prática a sua recomendação, não teria existido qualquer tipo de movimento subversivo, qualquer tipo de protesto anti-sistémico, nenhuma revolução, nada...
Ficar à espera que quem tenha o poder altere as regras do jogo, ou seja que só "quem de direito" tem legitimidade para fazer o que quiser é manietar completamente os cidadãos, é resumi-los a uma inútil coreografia do voto de quatro em quatro anos e, a partir daí, caladinhos e quietinhos...
Diga-me, por favor, que não foi isso que quis dizer quando escreveu o que escreveu...
AV1 (o defensor dos "canais menos próprios")
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