segunda-feira, fevereiro 27, 2006

Coisas que me irritam num Artigo de Opinião (parte 682 de 45098)

Antes de mais, irritam-me as evocações nostálgicas (parecidas com algumas minhas em dia de parvoíce) que fazem o(a) articulista recuar até à sua infância de forma desnecessária para o conteúdo do artigo.
Depois irritam-me aqueles discursos beatos de esquerda, muito politicamente correctos e bem-intencionados, mas que não apontam qualquer solução efectiva para nada.
Claro que também fico eriçado quando alguém com responsabilidade e dever de conhecimento de um assunto parece conhecê-lo só em termos de tese sociológica.
Também não fico feliz quando se percebe à milha que uma prosa foi escrita para encher ou meramente para marcar o apoio a uma qualquer iniciativa do grupo a que se deve fidelidade e vassalagem política e intelectual.
Por fim, e por agora, também me faz a bílis entrar em ebulição aquela atitude política de, com o empurrão da lei e a boa vontade de todos, vamos conseguir um Portugal melhor.
Quando tudo isto se junta no mesmo artigo, é motivo para foguetório e vapor a sair-me por todos os orifícios acima do pescoço...
Exemplo do afirmado: o já anteriormente referido artigo da deputada PS por Setúbal Ana Catarina Mendes, com o título Direito a ser Cidadão.
Eu vou passar, caridosamente, sobre a evocação do texto lido na aula de Francês e, para evitar adjectivação furiosa, concentrar-me só no assunto em apreciação, ou seja, a necessidade da inclusão social dos imigrantes na nossa sociedade, a pretexto da aprovação da Lei da Nacionalidade, a qual parece globalmente ajustada mas que, em si só, não resolve nada.
Vejamos esta passagem que concentra muito do que me provoca uma urticária galopante pela derme afora.

«Acredito que a multiculturalidade não é um conceito vazio, mas antes uma aprendizagem de todos com a diferença e o respeito pelas culturas. O respeito pela diversidade cultural de cada minoria, conseguindo criar nessas comunidades um sentimento de pertença do país que as acolhe deve ser um desígnio dos responsáveis políticos, mas também de todos os cidadãos, de cada um de nós. Cada um de nós deve ser capaz de promover a tolerância e incluir os imigrantes que aqui residem.»

Minha cara senhora deputada, eu até acredito que acredite nessa piedosa formulação das coisas. Acho que nem a irmã Lúcia pensaria e escreveria melhor.
Mas eu não acredito e acho que a senhora deputada também não devia acreditar só no que lê nos livros de sociologia, quase certamente francesa.
E porquê ?
Porque a multiculturalidade não resolve nada, enquanto aos imigrantes forem reservadas as funções laborais mais baixas, pior pagas e com os vínculos mais precários existentes.
O respeito pela diversidade cultural só funciona se, em toda a sociedade, se educarem as pessoas a respeitarem-se umas às outras, imigrantes ou não, nas suas diferenças seja de que tipo forem; o caso recente ocorrido no Porto demonstra bem como mesmo em camadas jovens a intolerância se manifsta violentamente sobre qualquer tipo de desvio ao que se acha ser a norma.
O sentimento de pertença a um país não se constrói quando se importam imigrantes como mão-de-obra barata sazonal para obras de aparato e, depois, terminadas essas obras, ficam à espera de nova oportunidade, vivendo em condições sub-humanas, muitas vezes explorados por senhorios que lhes alugam parcelas de apartamentos sem qualquer tipo de legalidade.
Se quando escreve que todos nós podemos ajudar à inclusão de grupos socio-culturalmente diversos do "nosso" (e qual será esse, afinal ?), inclui todos aqueles que, com o beneplácito do Estado, os exploram economicamente e os mantêm em situações de absoluta fragilidade social, então terá razão. Se apenas se refere à ajudazinha dos vizinhos em casos de manifesta necessidade, ao dar a boa-tarde com um sorriso nos lábios, então estamos mal, porque estamos apenas a falar de floreados decorativos que escapam ao essencial.
A inclusão social dos imigrantes não se faz com boas-intenções e leis que ficam por cumprir, ou porque pouco praticáveis ou porque não são devidamente executadas pelo próprio Estado.
Nada se resolve enquanto o Estado não tiver uma intervenção que, mais do que a atribuição da nacionalidade, passe pela criação de condições de trabalho dignas nas obras que ele próprio patrocina e pela fiscalização das condições de trabalho de muitos trabalhadores, imigrantes e nacionais, assim como pela rigorosa penalização dos empregadores. Assim como pela criação de condições para que aas comunidades imigrantes não se fechem sobre si mesmas, em guetos sociais, culturais e espaciais, ou sejam forçadas a tornar-se invisíveis, a menos quando aparecem pelas piores razões.
Pouca coisa me irrita mais que esta atitude típica de alguma esquerda que defende todos os direitos das diferenças e multiculturalidades, mas que na prática depois se traduzem num "desde que eles não venham viver para o meu prédio" ou "eu até tenho uma amigo de um conhecido que é preto/cigano e é um tipo impecável" ou "tenho uma empregada lá em casa ucraniana/moldava/bielorrussa que trabalha que se farta e só leva 3 euros à hora, coitada".
Enquanto vivermos neste tipo de xenofobia mansa, incapaz de se ver ao espelho e de compreender que enquanto formos assim hipócritas (pronto, a lei está feita, já fizemos o que era preciso) nunca tiraremos o subdesenvolvimento (mental, antes de mais) de nós, nada feito.

AV1

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