Pela brutal repulsa que me causou o sucedido e pela dureza verbal que isso normalmente me suscita, tinha praticamente decidido não escrever sobre as sevícias e o assassínio cobarde e cruel de que foi vítima um sem-abrigo do Porto, não por acaso travesti, aos pés de um grupo de menores a cargo de uma instituição assistencial do Porto.
No entanto, e por mecanismos vários de associação de ideias com outras leituras recentes, com alguns comentários a roçarem a desculpabilização dos jovens por causa do seu "percurso de vida" e com a agora recorrente ladaínha sobre o papel de instituições sociais como a Escola no enquadramento dos jovens, achei que deveria deixar aqui explícitas algumas coisas básicas.
a) Quando alguém sem capacidade de defesa, é seviciado e agredido por um grupo a rondar a dúzia de indivíduos, seja de que idade forem, acabando por morrer, isso é um assassinato cobarde, puro e duro, para mim sem qualquer hipótese de desculpa ou justificação.
b) Não há qualquer tipo de "percurso de vida" que possa servir para, no mínimo, explicar ou tentar fazer compreender, ou, no limite, justificar os actos cometidos. Qualquer tipo de teorização que tente encontrar no "abusador de hoje" o "abusado de ontem" enleia-se num ciclo vicioso que só justifica a perpetuação de eventuais erros cometidos ao longo do tempo.
c) Os actos praticados são, como muitos outros menores que se vão notando cada vez mais, resultado de mecanismos de comportamento de grupo há muito conhecidos, em que as acções do colectivo, em virtude do sua aparente (e real) poder, servem para as cobardias individuais se transfigurararem e, sempre a coberto do grupo, manifestarem de forma agressiva.
d) Este tipo de acções revela de que forma a crueldade humana se manifesta e vem ao de cima sempre que, pelo menos aparentemente, é possível exercer o poder e a violência sobre quem é mais fraco e diferente. O facto se se tratar de jovens maioritariamente ainda na primeira fase da adolescência ainda torna este cenário mais cruento e demonstra como a violência organizade de muitas claques desportivas e o comportamento de gangs juvenis sobre vítimas isoladas ou sem capacidade de resposta são elos de uma teia social prestes a desagregar-se e que nenhum sermão pseudo-moralista dos sábios psicologizantes e relativistas de serviço do regime pode ocultar.
e) As críticas feitas ao Estado enquanto responsável pelo "sistema" instalado na Casa Pia que levava ao abuso de menores e a outras situações menos lineares do que essa, devem agora alargar o seu olhar ao facto dos jovens envolvidos estarem a cargo de uma instituição da Igreja, directamente dependente da diocese do Porto. Aparentemente, neste caso a instituição em apreço não parece ter sido capaz de incutir qualquer tipo de respeito pela dignidade humana nos jovens a seu cargo e, pior do que isso, parece exercer um controle muito frouxo sobre a sua conduta social. Curiosamente, este aspecto parece desaparecido em combate na discussão gerada pela trágica morte de uma pessoa.
f) A moldura legislativa (penal e não só) que enquadra o tratamento a dispensar neste tipo de casos, bem como as instituições envolvidas na reabilitação de jovens nesta situação, está profundamente errada e resulta de uma combinação explosiva de preconceitos ideológicos que tendem a desresponsabilizar os indivíduos pelos seus actos anti-sociais, com instituições correccionais herdades quase do século XIX e sem qualquer eficácia prática.
Perante tudo isto, é difícil racionalizar muito e desenvolver teses daniel-sampaístas ou pedro-strechtianas sobre o que se passou.
O que se passou foi simples: um grupo de jovens, cada um seguro do poder do grupo sobre a vítima e quase por certo ciente da sua inimputabilidade, matou alguém sem capacidade de defesa.
E o resto são rodeios.
AV1
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2 comentários:
Aceite lá esta provocação :
Carta de condução a partir dos doze anos e um dia de idade .
Sim, não ou talvez ?
Caso a caso ?
Fácil resposta:
NÃO em caso algum.
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