quinta-feira, maio 18, 2006

Justiça como tudo o resto

Eu sei que o aparelho judicial não pode ser avaliado pelos casos mais caricatos que surgem, que se debate com muitas dificuldades nas comarcas mais concorridas e tudo isso, mas a acumulação de situações que tecnicamente se poderão designar como "parvas" começa a fazer duvidar da possibilidade de reformar a coisa a partir de dentro e a cada vez mais acreditar que:
a) O funcionamento de muitos tribunais está dependente dos humores e disposições de juízes algo desmotivados para a função ou meramente prepotents.
b) A primeira instância só vale para os pobrezinhos.

Porquê?
Parece ser óbvio mas vou usar dois casos como exemplificativos do que escrevo.
Na Sábado de hoje conta-se o caso de um juíz, de seu nome Eduardo Lobo, que há seis que está para redigir um acórdão por ter entrado em depressão, pelo que os arguidos e condenados de uma burla de tipo informático andam por aí alegres e felizes, sem que o sistema pareça ter forma de colmatar a falha do juíz deprimido. Ele tem todo o direito de o estar, mas se em outros casos da Função Pública, há rotação de funcionários para colmatar as baixas e se os professores fazem substituições, é incompreensível que casos como este aconteçam.
Outro caso: o dos processos levantados pela Administração Fiscal aos clubes de futebol, Liga de Clubes e Federação Portuguesa de Futebol por incumprimento do que estava estipulado no acordo feito ao abrigo do Plano Mateus para pagamento das dívidas em falta com recurso aos dinheiros do Totobola. Ora bem, o primeiro de 62 processos já teve direito a sentença que condena a Federação e amigos a pagarem o que devem; o advogado da Federação, ouvido por um repórter sobre o assunto, larga logo a cassete do recurso para a instância, superior, porque "as decisões dos tribunais de 1ª instância valem o que valem" e adianta ainda que esta decisão em nada afecta o eventual desfecho dos outros 61 processos, "porque cada tribunal decide cada caso como entende melhor" (citações de memória só rigorosas no espírito do conteúdo).
Ora bem, tudo isto é formalmente correcto: realmente existe o direito de recurso dos tribunais de 1ª instância e casos semelhantes podem ser julgados de forma diversa em diferentes pontos do país (cheira-me que no Norte as decisões vão ser diferentes das do Tribunal de Loulé, mas isso sou eu que tenho o faro descontrolado); é a independência do poder judicial, diz-se.
Mas, começando pelo fim: se as leis são as mesmas e as alegações iguais nos 62 processos (todas recusadas em Loulé), o que determinará decisões diferentes em outros locais?
Só a "independência" dos juízes não serve, pois essa independêcia serve para que a aplicação da lei seja exactamente independente, neutra e isenta, e não casuística, à moda de um qualquer sistema de tipo feudal e pré-liberal.
E voltando ao início, de que serve um sistema judicial cheio de instâncias - teoricamente para defender os direitos dos cidadãos arguidos - se depois isso apenas serve para quem tem meios sustentar batalhas judiciais que os mais pobrezinhos não conseguem acompanhar?
E se as decisões dos tribunais de 1ª instância são só para a maralha, porque não começam logo os outros pelos tribunais superiores para pouparem tempo, se é lá que - teoricamente - estão os juízes mais habilitados?
Por essas e por outras é que cada vez se duvida mais da justiça e equidade de tratamento dispensado pelo sistema judicial e se torna fácil a quem tem meios e pessoal assalariado ou avençado para o efeito, ameaçar com os tribunais a arraia-miúda, pois já sabem que nós não podemos andar de recurso em recurso até ao Tribunal Constitucional.

Zé Leigo

1 comentário:

Anónimo disse...

O Apoio Judiciário permite aos mais desvalidos manter as batalhas judiciais que se imponham.

Conheço advogados oficiosos que interpõem recursos e se batem até ao fim e ganhando uma merda de uns honorários.

Não é por aqui que o sistema não funciona.

Coisa diferente é a formação técnico-cientifica-social de Juízes...

Mas num país onde qualquer um exerce até ao infinito o seu poderzinho funcional, o que espera que aconteça a quem detem poder ilimitado ?

Só se começou a falar do poder excessivo dos Juízes quando "começou a tocar" a algum "poderoso". Quando era o zé leigo a levar nas trombas quanto mais o juiz violasse a lei, exercitando personalidade mais ou menos formada, mais refastelada ficava a boçalidade cívica nacional, regra geral protagonizada na comunicação social.

Exemplo: roubo de telemóvel no metro: "vejam bem que foi apanhado pela PSP e o Juiz o mandou aguardar julgamento em liberdade".

"coitado do moço, é certo que foi apanhado a roubar um telemovel no metro, mas não era caso para ficar preso antes do julgamento. Aos do colarinho branco não fazem eles isso".

Já ouvi as duas reacções para situações iguais.