sábado, novembro 19, 2005

As "chupetas estrangeiras"

Tudo o que vem hoje no Expresso (na edição online só se acede aos títulos se não estivermos registados) sobre as manobras em torno da Procuradoria-Geral da República é extremamente lamentável e revela o nível de degradação institucional a que chegámos e de erosão do carácter das nossas lideranças políticas e não só.
Não sou grande fã do excelentíssimo senhor procurador-geral Souto de Moura.
Acho-o um sonso, em todas as vertentes negativas do termo.
Mas o resto que o rodeia é tão mau ou ainda pior.
Já não falo do facto de os socialistas de Sócrates andarem a combinar com dirigentes do CDS a sua substituição.
Nem do facto de Sampaio alegadamente o manter no cargo não pelas suas qualidades, mas por questões de timming.
Nem sequer da miséria de um dos cargos fulcrais da República ser objecto de trocas, baldrocas e outras engenhocas.
O mais chocante é o preço do silêncio dos substituídos.
Aparentemente, tudo se arranja se, conforme se afirma na peça jornalística que cita o centrista Abel Pinheiro, estiver disponível uma "chupeta estrangeira" para quem é posto a andar.
Ou seja, desde que o Estado arranje um belo lugar ao sol, mais ou menos longe, onde a criatura fique ao abrigo dos olhares e ouvidos mais curiosos e o pagamento seja compatível, tudo é possível e todo o silêncio se consegue.
Se nos lembrarmos de algumas nomeações recentes para cargos de representação do Estado lá fora, como o de Ferro Rodrigues como recompensa pelo seu ordálio nos últimos tempos de líder do PS e pelo silêncio quanto ao esfaqueamento colectivo de que foi vítima por muitos camaradas, tudo se entende ainda melhor.
Mas a coisa também pode funcionar cá dentro, para recompensa de outros serviços relevantes, embora menos delicados, ocorrendo-me os exemplos dos candidatos do centro-direita que se ofereceram em martírio por ocasião das reeleições plebiscitárias de Soares e Sampaio para os segundos mandatos; quer Basílio Horta, quer Ferreira do Amaral asseguraram o seu futuro ao aceitarem tais missões, sem qualquer hipótese de sucesso.
Veja-se por onde têm andado e, no caso de Basílio, para dar lugar a Ferro Rodrigues sem levantar ondas, ofereceram-lhe a Agência Portuguesa de Investimento.
Como, aparentemente, a Cadilhe ainda não acenaram com nada, veja-se como a língua se lhe destravou nos últimos tempos.
Mas voltando ao Procurador-Geral da República...
Pois é.
A chupeta estrangeira é a solução para arrumar em prateleiras douradas quem cumpriu a sua missão de serviço (incompetente, se querem saber a minha opinião) da República e se tornou incómodo demais, por ser manifestamente inepto ou incómodo no lugar, o que no caso em apreço parece serem características entrelaçadas.
Uma capital europeia bem central (ou Nova Iorque) são boas soluções, assim como o Parlamento Europeu o é para certas reservas partidárias.
O preço é o Estado que paga e não se fala mais nisso.
Triste República a nossa.
Tudo se vende em troca de um saco de moedas, desde que o saco seja gordo.

AV1

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