domingo, novembro 13, 2005

Os velhos pátios

Cresci numa zona onde os pátios comunitários, e outras zonas de utilização comum pelos inquilinos, eram habituais.
Nem sempre isso me agradou muito, pois não sou dado a grandes efusões comunitárias e gosto muito de estar no meu canto sem ter o vizinho a espreitar por cima do muro ou a passar na traseira do quintal, mas...
Um tipo habitua-se e vai achan do a sua graça, à medida que o tempo passa e, devido à evolução natural da vida, deixamos esses espaços primordiais na nossa formação.
E é realmente com o tempo que acabamos por valorizar melhor esses modos de vida, em que a entreajuda se misturava com a bisbilhotice e em que o quotidiano era muito mais gregário.
Agora, todos nos isolamos nas nossas casa, erguendo o muro da moradia o mais alto possível ou trancando a porta do apartamento quando se adivinha que não se vai mais sair, mesmo se por deformação eu continue a usar a porta de casa sempre no trinco.
Mas vem isto a propósito de os pátios de Alhos Vedros estarem em quase completa extinção ou, na melhor das hipóteses, em quase completo despovoamento.
Ainda existem alguns, em traseiras escondidas de prédios dos anos 50 e 60 ou em espaços de arquitectura popular chã, organizados em torno de um espaço comum.
Lembrei-me destes pátios quando recebi esta foto do Brocas, a propósito de outro assunto - do estado retalhado em que se encontra a rua Cândido dos Reis - pois um desses pátios que frequentei por relações de amizade com alguém que tinha lá família, ainda existe, só que agora, ao contrário de outrora, fechado por um portão (do lado esquerdo da foto), revelando como os tempos mudaram e as regras da convivência evoluíram de um comunitarismo por vezes quase asfixiante para uma (infelizmente necessária) desconfiança quase claustrofóbica.
Onde se corria livremente e se jogava à bola, gritando e pulando até sermos corridos por alguma vizinha menos bem-disposta, agora encontramos espaços fechados e desprotegidos perante as ameaças trazidas com o chamado progresso.
Não tenho extremas saudades desses tempos, confesso, em que muitas das casinhas nem saneamento básico tinham, sendo necessário ir dar a volta aos intestinos em sentinas exteriores, ligadas para fossas comuns que por vezes.... enfim... entupiam e... enfim...
Mas garanto que tenho pena que cada vez mais esse tipo de identidade própria de um lugar, formada pela organização dos seus espaços comuns e da vivência das suas gentes, tenha dado lugar à absoluta descaracterização e anonimato de loteamentos que procuram na designação de "Quinta", "Vila" ou "Village", seguida de adjectivos coloridos ou naturalistas, uma ligação impossível ao que tinha de bom um passado que perdemos de várias maneiras.

AV1

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