quarta-feira, agosto 23, 2006

Virtual/Concreto - Parte I

Como a generalidade da literatura produzida sobre o fenómeno blogosférico explica, existe uma extrema dificuldade por parte dos indivíduos e meios de comunicação tradicionais, fundados numa lógica anterior, coexistirem ou compreenderem verdadeiramente as "regras" (se é que existem) e os padrões de comportamento específicos do mundo dos blogs.
Passa-se algo semelhante ao que se passou quando surgiu o rádio, mais tarde a televisão ou ainda mais tarde a própria internet.
Existe sempre um discurso crítico, nascido da estranheza e arreigado aos seus esquemas anteriores e que insiste em não aceitar ou compreender o que é novo ou que apresenta uma forma nova de organizar e rearrumar o mundo que conhecemos.
Umberto Eco escreveu ironicamente sobre esse fenómeno, muito antes de existirem blogs, usando para esse propósito a metáfora do ornitorrinco, animal estranho e que escapa às categorias tradicionais que pode ser visto como algo completamente diferente (um ornitorrinco como ele é) ou como um retalho de coisas conhecidas (é um mamífero, tem bico de pato e por aí adiante).
Isso verifica-se por exemplo em relação ao fenómeno das identidade virtuais na net em geral e na blogosfera em particular.
As identidades virtuais surgiram naturalmente na net, como alter ego das pessoas concretas que preferiram criar uma identidade específica para esse meio e, ao mantê-la de forma duradoura e coerente, assim acabam por se inserir numa comunidade onde os sujeitos físicos são secundários em relação ao seu produto intelectual mostrado online.
Como tudo, tem vantagens (independência em relação a pressões, estabelecimento de relações de intercâmbio e confiança que a nível pessoal nem sempre se conseguem desenvolver) e desvantagens (permeabilidade à falsificação), pelo que o balanço pode ser contraditório mas é globalmente positivo, havendo mesmo quem defenda que o ambiente assim criado é favorável à aprendizagem cultural.
Outros destacam o interessante aspecto de esta ser uma forma de nos tornarmos contadores de histórias interactivas, sem os bloqueios e limitações que o meio de transmissão pessoal impõe.
O que interessa é tentar perceber porquê e como aparecem e funcionam as identidades virtuais.
Há quem as aceite, há quem as renegue, com base numa forma de encarar o mundo estática, só capaz de funcionar na base de um conhecimento concreto das pessoas físicas, que lhes parece mais cómoda para poderem emitir juízos de valor sobre a mensagem, não com base nessa mensagem, mas com base no emissor.
Só que, nesse casos, há que obedecer à própria lógica e não combater o uso de identidades virtuais coerentes, com base na utilização de múltiplas identidades virtuais que, mesmo deixando o seu traço pelos tiques do discurso, apenas pretendem estabelecer a confusão, mesmo declarando querer combater essa confusão. É que a hipocrisia, mesmo em meios virtuais, percebe-se à légua.

AV1 (identidade virtual de...)

Mais materiais: Artigo sobre Identidade Virtual e Engano (Deception), uma interessante reflexão que apresenta a identidade como uma extensão e uma segunda vida da pessoa física e um livro sobre Política Virtual: Identidade e Comunicação no Ciberespaço.

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