sexta-feira, agosto 25, 2006

Vocabulário Actual da Gestão Autárquica Moiteira - Letra E

Esquerda - é o critério básico (único?) para definir se uma coisa, política ou pessoa é boa ou não e, na inversa, também serve para qualificar positivamente qualquer coisa, política ou pessoa que seja bem vista ou conveniente ao poder moiteiro. Eu explico: em 75 era de Esquerda acabar com as festividades locais porque estavam ligadas ao "antigo regime"; em 2005 como se passou a gostar de touradas e festarolas, passou a ser de Esquerda apoiar as festividades moiteiras. Ou explicando melhor, se é de Esquerda defender o Ambiente, diz-se que se defende o Ambiente mas, se por um acaso, acabar com espaços verdes e destruir zonas húmidas dá jeito para construir casas, então é isso - construir casas para as pessoas - que passa a ser de Esquerda. Se há uns anos era de Esquerda ser contra os grupos nacionais capitalistas, as grandes superfícies eram más e não deviam vir destruir o pequeno comércio local; já agora, quando a instalação de tais superfícies traz algum interesse para apresentar "obra", então passa a ser de Esquerda promover a instalação desses espaços comerciais porque trazem emprego para o concelho e o comércio tradicional está desajustado das realidades. Este tipo de atitude tem a sua razão de ser e radica no contexto local pós-25 de Abril, quando havia 4 hipóteses: ser de Esquerda, ser de Extrema-Esquerda, ser de Esquerda Revolucionária (bombista, de preferência) ou ser um Porco Fascista (é ainda a lógica dos textos de certos opinadores locais cujo cérebro parou nessa data, mesmo se então aqui cá não viviam). Qualquer criatura na casa dos quarentas ou, ainda melhor, com a idade do nosso Presidente da Câmara e da generalidade dos Vereadores, mesmo os da oposição desde que sejam indígenas, sabem que isto era assim. O PCP marcava a diferença entre a Esquerda e a Direita, tendo uma perna já do lado mau; o PS era de Direita, o PPD de extrema-direita e o CDS era um porco de um partido fascista. A (Extrema-)Esquerda eram a UDP, o MRPP, a FEC (m-l), o PC (R), e mais umas quantas coisas acabadas em (m-l) ou MLP. As discussões políticas nessa altura eram divertidas, pois bastava dizer que o interlocutor era de Direita para se ter o caldo entornado. Era um bocado tipo desenho animado, mas lembremo-nos que à data o Barreiro e a Moita tinham níveis de votação nos partidos à Esquerda do PS que faziam inveja ao Alentejo profundo e pediam meças às votações para o soviete de Moscovo ou para uma comissão de moradores de Tirana. Toda essa malta que agora conhecemos espalhada por vários partidos era, no fim da adolescência, do MRPP ou da UDP e quando não se andavam a bater uns aos outros, andavam a chamar sociais-fascistas aos comunistas, o que ainda hoje é um adjectivo composto bastante útil para irritar a malta do PC. Portanto, hoje ainda vivemos num clima que só se alterou ligeiramente, e em que a Esquerda é o argumento essencial para definir a fronteira entre "bons" e "maus". Reparem que até o vereador do PSD diz ser da "esquerda do PSD". Aliás o erro fundamental do PS foi não se ter apresentado como da "esquerda do PS", pois viu-se a diferença entre os votos para a CMM e depois os votos nas Presidenciais. Por aqui, ser de Esquerda é a base de tudo, assim como tudo o que interessa tem que se apresentar como sendo de Esquerda. Fazer um dique é bom? Então é de Esquerda! Deitar abaixo o dique é bom? Então é de Esquerda! A coerência abstracta não é muito útil, apenas interessando a ligação entre a realidade local e a Esquerda. Se algures fazer nomeações políticas clientelares é de Direita, aqui fazer o mesmo já é de Esquerda. Se além apoiar o associativismo com base nas fidelidades partidárias é sinal da política discriminatória da Direita, aqui é apenas uma prática democrática de Esquerda. Se em outros lados a malta reformar-se no início da meia-idade é uma falta de vergonha de políticos de Direita, oportunistas e sem carácter, por aqui é uma prática legítima e, acima de tudo, é de Esquerda. Em suma, os que são a favor das políticas da autarquia são de Esquerda, os que são contra, são de Direita. Os que se calam são de Esquerda, os que se interrogam são de Direita. Por exemplo, em Lisboa o PSD é de Direita, mas no Barreiro já é de Esquerda. No anterior mandato, no Porto, o Rui Rio era praticamente de Esquerda; agora já é de Direita pura e dura. Ao fim de um certo tempo, isto parece um enredo de uma sitcom inglesa baseada no non-sense, mas a vantagem é que, ao fim de uns anos, acabamos por nos rirmos muito. Embora o riso, se formos bem a ver, seja de Direita quando é mal usado.

AV1

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