quarta-feira, fevereiro 09, 2005

A abjecção


A besta em traje académico

Este texto é, confesso-o, despoletado pelas inenarráveis e apressadas declarações de Alberto João Jardim sobre o "sr. Silva" (Cavaco Silva) e umas declarações que erroneamente lhe terão sido atribuídas, favoráveis a uma maioria absoluta do PS. Nunca votei em Cavaco Silva, não aprecio muito a sua obras mas, para o bem e para o mal, o homem merece o respeito devido a alguém que, após 10 anos de ribalta e portas abertas, soube reocupar o seu lugar na sociedade.
Alberto João Jardim, por seu lado, é há 30 anos uma excrescência lamentável no nosso regime democrático.
Ter sido sucessivamente eleito para o cargo que ocupa não é incompatível com o que fica escrito, nem a legitimidade democrática de que se arvora pode desmentir a sua prática constante de nepotismo clientelar, desrespeitador dos mais básicos princípios democráticos.
Secundado por um grupo de sequazes ainda mais inomináveis do que o próprio, por se manterem na sua sombra e assim viverem à tripa forra, AJJ representa o pior do que o caciquismo democrático nos tem para oferecer.
Demagogo que insulta tudo e todos, gabarola incontinente, o seu regime vive de uma prosperidade alimentada por constantes transferências de verbas do Orçamento de Estado que, se são legítimas em atenção à população madeirense, são incompreensíveis perante o discurso flatulento de Jardim que constantemente se vangloria de um desenvolvimento artificial, financiado a fundo perdido por Lisboa.
Pior do que isso, Jardim convenceu grande parte da população da Madeira de que é Lisboa a beneficiar da Madeira e não o contrário. Pessoas inteligentes e capazes nos seus domínios profissionais, já alegaram perante mim isso mesmo, usando aquele argumento de que os impostos madeirenses vêm para o Continente para serem desperdiçados e que lá já pagam muito, como se a carga fiscal nas regiões autónomas não fosse razoavelmente menor em nome dos custos da insularidade. Ainda mais grave, devido a uma política de obras públicas decididas a despropósito, Jardim gaba-se de um modelo económico muito próprio que combate o desemprego, ocultando que quem ganha a sério com tal política são os seus apaniguados, que recolhem a nata dos subsídios disponíveis, deixando as migalhas para quem trabalha. Fez obra, sim, mas poucos saberão em que condições e quais os principais beneficiários.
Apesar disso, muitos madeirenses não compreendem que atacar AJJ não é atacá-los ou à Madeira.
Enquanto todos os deputados na Assembleia da República devem ser deputados da Nação e não das suas regiões (“limianos” à parte), os do PSD-Madeira ignoram esse princípio, funcionando vulgarmente como moeda de troca de Jardim para a aprovação de orçamentos. Lacaios do seu senhor, papagueiam as ordens que lhes dão, chegando alguns, como Guilherme Silva, a ocupar posições de responsabilidade incompatíveis com a sua prática corrente.
Apesar disso e das sua verborreia avinhada e insultuosa, nunca nenhum Governo ou Presidente da República teve coragem de reduzir Jardim à sua dimensão e à sua real importância. Todos acabaram por pactuar –“défices” democráticos à parte – com um caudilhismo terceiro-mundista que só ofende toda a Madeira (e Porto Santo) e Portugal.
A. J. Jardim foi eleito sucessivamente pelos cidadãos madeirenses, é verdade, mas isso não é critério aferidor da legalidade democrática das suas práticas correntes, muito semelhantes às do PRI no México de outrora. O facto do seu regime alimentar e satisfazer grandes parcelas da população, graças em parte a um controle apertado das vozes discordantes e da intimidação das forças policiais e judiciais hierarquicamente dependentes de Lisboa, não significa que isso seja a democracia a funcionar.
Jardim é uma mancha para todos nós que, para nosso mal, desceu tanto que se tornou impossível chutá-la para outras paragens, assim libertando a Madeira. A ideia de ele ir para Comissário Europeu era caricata mas era uma última tentativa de arrancá-lo ao poder no Funchal, condenando a breve prazo os seus seguidores que, deixados a si mesmos, seriam rapidamente varridos logo que se revelasse claramente a sua voracidade de aves de rapina.
Por mim, resta-me uma resistência passiva, certamente irrelevante. Por mim, recuso-me terminantemente a colocar os meus pés ou qualquer outra parte do corpo na Madeira, enquanto Jardim continuar a ser o Presidente do Governo Regional. Várias vezes tive a hipótese de lá me deslocar para férias, para isso sendo convidado por amigos e parentes que lá se deslocaram. Considero, porém, que, ao contrário dos que dizem mal de Fidel mas vão a Cuba veranear com a desculpa de irem conhecer in loco a injustiça do regime (quando apenas o fazem devido aos baixos custos relativos), princípios básicos de coerência e imperativos de consciência me impedem de o fazer.
Será pouco, será um nada, mas é a única forma (silenciosa) que tenho de protestar contra o que considero a maior abjecção que a nossa democracia alberga e perto da qual Fátimas Felgueiras, Narcisos Mirandas, Fernandos Gomes e quejandos, não passam de aprendizes.

António da Costa

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