terça-feira, fevereiro 08, 2005

As aventuras de um tuga no IKEA

Não sei a vossa opinião, nem sei se já lá foram, mas a mega-loja IKEA junto a Alfragide foi para mim uma razoável boa notícia.
Pelos preços, pelo espaço, pela variedade de escolha, pela própria área da alimentação e, acima de tudo, pelo sistema lógico e linear do funcionamento de tudo.
Contra só tenho a elevada afluência em parte dos dias que lá fui (o que, com o meu horror às multidões, me fez bater em retirada após pequena estadia) e uns sofás forrados com uns tecidos horrorosos , que eu não via desde os aventais que a minha mãe usava há 25-30 anos.
Mas, voltando às vantagens do funcionamento, descobri a minha (perdida) costela nórdica, aquela que permite resolver uma situação em pouco tempo, com poucas palavras e pouco esforço.
Ora tudo no IKEA é pensado segundo esse tipo de lógica.
Atendendo à minha proverbial inépcia para tudo o que é bricolage, foi uma façanha como eu numa tarde consegui montar (sozinho e só seguindo as instruções inclusas) diversos móveis lá comprados, sem danificar nada, sem que ficasse tudo torto, sem que sobrassem peças, sem que faltassem parafusos, sem que qualquer coisa se desmanchasse à segunda utilização e sem infernizar a vida de todos os que me rodeavam no raio de vários km.
Por isso, três vivas ao IKEA!
Mas, como nada é perfeito, existe um senão, um pormaior, que como já disse é a massa de clientes que por lá encontrei e que, como Portugal é país de calor e de alguma preguiça mental, não está no mesmo comprimento de onda dos suecos.
Significa isto que, se excluirmos as “tias”, “tios”, “sobrinhas” e “sobrinos” da linha, muito bronzeados (eles e elas), e com trunfas às madeixas louras (elas e eles) que lá foram nos primeiros tempos para aparecer e parecer modernos, ficamos com uma larga massa de tugas claramente impreparados para se desenvencilharem no sítio.
A ideia base da loja é nós fornecermo-nos de um lápis (nos primeiros dias foram pilhados aos milhares) e de um folheto, para apontarmos o que nos interessa na área de exposição (quando não se pode levar logo), a referência, o preço e a localização no piso que funciona como armazém. Munidos dessas informações, devemos então arranjar um carrinho de transporte e ir à cata do que queremos. No caso de volumes muito grandes devemos procurar um funcionário para nos auxiliar na encomenda que depois vamos levantar num balcão próprio, já a caminho da saída. De acordo com a simplicidade da sua lógica, no IKEA encontram-se poucas “ilhas” com funcionários, pois, à partida, só estão pensadas para dar apoio às encomendas de volumes maiores, dar informações sobre o stock de artigos não disponíveis ou esclarecer dúvidas ocasionais.
Claro que em Portugal, o cliente habitual não é bem igual ao sueco, mais que não seja porque eles atingiram quase 100% de literacia aí na primeira metade do século XIX e nós ainda não lá chegámos.
Por isso, quando precisei de me dirigir a uma “ilha” para encomendar um móvel demasiado volumoso, deparei com o espectáculo notável que é um cliente português a confrontar-se com a lógica sueca (o funcionário, logo para melhorar o confronto, embora falasse um português correcto tinha nome claramente nórdico).
O cliente português regular, independentemente de tudo e de estrato socio-económico, precisa de ser esclarecido sobre o mais ínfimo pormenor da transacção que está a pensar, eventualmente, num futuro mais ou menos próximo, se a conjugação dos astros se mostrar favorável, realizar. Para não nos perdermos na análise do ritual dos preços, é o tamanho da coisa, é a textura e o padrão do tecido, é a inclinação, é o número de portas, gavetas, molas e etc, tudo serve para colocar dúvidas, mesmo se todos os dados estão nas etiquetas dos produtos.
Depois, ao aperceber-se que é possível uma simulação por computador, para mais impressa em papel que pode levar para casa para esmiuçar ao detalhe, o(a) cliente tuga imagina as mais diversas combinações entre uma cadeira, um candeeiro e uma borla de sanefa para solicitar que sejam feitas as 2134 combinações possíveis de cor, tamanho e material disponíveis nas lojas IKEA de todo o mundo. Depois, quando é um casal ou foi preciso levar ¾ da árvore genealógica até à 4ª geração ascendente e descendente para comprar um tapete para a porta da entrada, ficam a olhar-se uns para os outros, com semblante de profunda reflexão e evidente indecisão sobre o que fazer, até acharem que desta vez não vale a pena, para a semana logo voltam para levar.
Claro que ver o artigo, consultar a sua ficha técnica, preço e localização no armazém, decidir se o quer ou não e levá-lo (ou não), numa sequência simples e rápida não é, pura e simplesmente, concebível.
Na vez que precisei do apoio do funcionário, lá fiquei 20 minutos a apreciar como um casal decidia que raio de sofá ia levar para a sala, pedindo repetidamente a opinião do Mikael que, como já devem ter calculado, nunca tinha visto tal sala e, por essa altura, já lhe devia estar com imensa raiva mesmo se, a sua boa-educação e civilidade, o impediam de o demonstrar. O pior é que, quanto mais educado um funcionário é, pior para todo o resto do pessoal, porque o(a) cliente confunde isso com genuíno interesse pelo seu dilema doméstico, pelo que se segue nova investida de pedidos de simulações, de consulta do stock e de dúvidas insolúveis.
Por isso, aprendi que agora só levo o que posso agarrar sem necessidade de ajuda ou, se isso se revelar inviável, esperar pela hora do almoço, quando a malta vai toda comer umas almôndegas suecas, com o ar mais cosmopolita que se encontra disponível.
Despachada a compra, arrumados os volumes na bagageira, então lá vou eu ao meu prato de saladas e ao meu frango sueco, regados com cerveja (sueca) e acamados com um cafézinho (sueco), eu próprio com o ar mais respeitável (e sueco) de que sou capaz, apesar do meu cabelo escuro e porte indisfarçavelmente tuga.

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