Perante o meu desânimo e descrença na nossa classe polítca, alguns amigos e conhecidos meus mais adeptos do sistema em que vivemos, costumam dizer “É pá, assim também não vamos a lado nenhum” ou “Nem todos são maus, temos que optar pelos que dão mais garantias” ou “Se forem todos como tu é que isto não melhora” ou ainda “Também só sabes é dizer mal” e outros lugares-comuns do género.
Se calhar têm razão.
Ou se calhar tenho eu, atendendo ao (pouco) que conheço do “sistema”.
São muitas as histórias que ouvi e algumas aquelas a que assisti sobre os aspectos mais carunchosos da nossa vida política.
Vou deixar-vos aqui apenas uma, porque acumula três aspectos:
a) Assisti a ela e não me foi contada em terceira mão.
b) Envolve um quadro político de um dos partidos de poder da minha geração e que tem aquele tipo de discurso redondinho e politicamente correcto para fora, mas que em privado diz outra coisa.
c) Mete ao barulho um dos candidatos a deputado pelo nosso círculo, em especial um cabeça de lista.
Antecedentes da historinha: Há uma mão cheia de anos conheci numa despedida de solteiro, o referido quadro político laranjinha (vamos chamar-lhe Y por razões de sigilo). Em ambiente informal e de amigos/conhecidos é um tipo impecável, cujo discurso não indicia a sua cor política, pois tem aquela patine de rebelde que a JSD costuma dar nos primeiros tempos. Na altura, o tipo era investigador na área das Ciências Sociais e estava a fazer uma especialização, sob a supervisão do nosso camarada Fernando Rosas, do qual dizia maravilhas como professor e orientador. Passadas a despedida de solteiro e o casamento em si, reencontrámo-nos casualmente algumas vezes mantendo um relacionamento cordial.
A historinha em si: Meses depois, num desses reencontros, acho-o já todo envolvido na (pseudo) candidatura de Ferreira do Amaral à Presidência contra Jorge Sampaio. Sendo apenas uma formalidade, toda a candidatura era encarada com muita descontracção e serviu para alguns “jovens turcos” do PSD aparecerem na respectiva Comissão Nacional de Apoio ou lá o que aquilo se chamava. Entretanto, também se preparava para candidatar-se a uma autarquia do centro do país pelo PSD. Trocámos impressões, dissemos umas piadas de circunstância, enquanto Y olhava para o relógio com ar meio ansioso. Como estávamos em local público perguntei-lhe se tinha algum compromisso e estava com pressa. Respondeu-me que não, pois apenas estava à espera de uma jornalista para prestar umas declarações em “off the record”. Curioso, perguntei-lhe que novidades é que a candidatura de Ferreira do Amaral trazia, já que se sabia que era apenas para marcar ponto. Com ar conspirativo respondeu-me que as declarações não eram sobre FA mas sobre o Fernando Rosas. Meio estupefacto, perguntei-lhe o que é que ele ia dizer, se não tinha nada a ver com o assunto. A sua resposta foi fabulosa, pois disse-me que estava interessado em promover o Rosas para, por um lado, enfraquecer a candidatura do PC (salvo erro do Jerónimo de Sousa) e, por outro, porque como ia estar envolvido num projecto de investigação com o FR, queria fazer-lhe um “jeito”.
Ou seja, um membro da candidatura de F. Amaral andava a promover a do F. Rosas em “off the record” com base nas velhas teses da necessidade de cortar a base eleitoral do PC e no seu interesse pessoal em ganhar qualquer coisa, em termos privados, com isso. Se mais episódios destes não conhecesse, este chegava para perceber os meandros misteriosos em que funcionam estas influências políticas que se cruzam com os interesses privados e em que as fidelidades nunca são as que parecem.
Se não conhecesse o próprio Rosas, até podia acreditar que ele não sabia da coisa mas, por acaso, este não foi caso único (nem pouco mais ou menos) de “aquisição” de apoios em troca de favores de carácter financeiro ou académico. Aliás se há coisa que o distinga é exactamente essa capacidade para detectar malta ambiciosa e, acenando-lhes com cenouras, levá-los(as) pelo carreiro que mais lhe convém.
É óbvio que também conheci exemplos similares em outros quadrantes políticos (é só analisar o corpo docente de algumas Universidades privadas ou departamentos de Faculdades públicas), mas este foi um caso que me marcou a memória por envolver um daqueles que, em nome do Bloco de Esquerda, se afirmava(m) como regeneradores da prática política e como a salvação da esquerda.
Mas voltando ao evento, lá apareceu a jornalista, lá o Y fez as suas declarações e lá foi ele, feliz e contente, à sua vida.
O F. Rosas teve um resultado meritório nas eleições presidenciais de 2000 e também teve o tal financiamento para um projecto de investigação, em que o Y alegremente surgiu como seu braço direito.
E o Y lá conseguiu ser eleito Presidente da Câmara. E já o vi a receber com pompa todo o Governo quando lá foi feito um Conselho de Ministros.
E todos têm sido felizes.
Até eu que, felizmente, não me voltei a cruzar com nenhum deles, enquanto o vómito me andou a rondar a garganta.
Agora, já estou menos sensível, acho que já conseguiria dizer-lhe “Bom Dia” ou “Boa Tarde” sem risco de lançar o conteúdo do meu estômago pelas goelas fora.
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