domingo, fevereiro 06, 2005

Memórias de um BeDófilo em Alhos Vedros IV



Cap. IV – A descoberta do humor

Se de início o que interessava nos “livros aos quadradinhos” eram as histórias de aventuras mais ou menos mirabolantes, com o passar do tempo e o início de alguma capacidade crítica de interpretação das situações, começou a ganhar importância o humor e, por tabela, aquilo que nos fizesse rir ou sorrir.
É óbvio que os primeiros passos no humor na Banda Desenhada os dei graças aos livros da Disney, os quais mesmo sendo muito simples na forma e conteúdo não deixavam de nos divertir as mentes infantis. De qualquer forma, sempre foi muito maior o prazer proporcionado por personagens (criadas ou retomadas pela) da “escola brasileira” da Disney, como o Zé Carioca, o Peninha ou mesmo a dupla Professor Pardal/Lampadinha do que os tradicionais Mickey e Pateta, Donald e Patinhas e restantes criações mais antigas. A par da Disney surgia a Turma da Mónica (simpatia profunda pelo Cascão) do Maurício de Sousa e outros “desenhos animados” em papel de consumo ainda mais rápido.
O segundo passo no caminho do humor correspondeu à descoberta das séries cómicas da escola franco-belga, com natural destaque para o Lucky Luke, o Tintin, o Spirou e o grande Astérix, do período dourado de Goscinny. Claro que outras séries “menores” como o felpudo Cubitus, o rotundo Achille Tallon, o desvairado Gaston Lagaffe, o estranhísimo Taka Takata, o heróico Robin da Mata, o estereotipado Spaghetti ou o fabuloso Martin Millan (os adjectivos estão-se a acabar) foram essenciais para moldar um sentido de humor que ainda não sabia bem por onde andar e que, na rádio, ainda não tinha chegado ao PãoCoManteiga e se resumia aos Parodiantes de Lisboa à uma da tarde, e na TV tinha poucas alternativas (mesmo se chegaram a passar Monthy Python).
Por fim, ainda em finais dos anos 70, foi a vez da descoberta do humor mais corrosivo do MAD, em versão brasileira da Editora Vechi, e então aí foi o gozo completo com Dick de Bartolo, Duck Edwing, Al Jaffee e, muito em especial, as minúsculas tiras de pé de página do Sérgio Aragonés ou as mirabolantes figuras de Don Martin. Só mais tarde conseguiria chegar ao MAD original, mas a edição brasileira era bastante fiel à americana (ao contrário do que se passa com a actual edição pela Mythos Editora que nos chega com mais de um ano de atraso). O MAD representou a maturação de um sentido de humor completamente desvairado e, à data, iconoclasta e politicamente incorrecto.
Até hoje, sempre que posso, compro a edição brasileira, apesar da crescente queda de qualidade, visto ser a original a atirar para o carote por 64 páginas que já não estão à altura de outros tempos (repetem uma fórmula que já teve o seu tempo áureo).
A partir daí os meus gostos em matéria de humor desenhado alargaram-se e foram atrás de outras experiências, como as séries underground americanas, com destaque para autores como Robert Crumb, ou para as revistas francesas mais alternativas, que se conseguissem achar em segunda mão, como a L’Echo des Savannes, a Fluide Glaciel, a Hara-Kiri ou a Charlie Mensuel. Do Brasil, já no final dos 80 chegaria a Chiclete com Banana com os Skrotinhos, a Mara-Tara e afins.
No entanto, os clássicos mantiveram-se sempre clássicos: quem me tira um Astérix escrito por Goscinny tira-me tudo, acabando por vir a comprar os que foram saindo nos últimos 25 anos (só da autoria de Uderzo) já por reflexo condicionado.
Mas, todos os anos, para manter os níveis indispensáveis de sanidade mental, é obrigatório reler O Domínio dos Deuses, Astérix e os Normandos, Astérix Legionário ou a A Zaragata.
Os bons hábitos nunca se devem perder.

António da Costa, 5 de Fevereiro de 2005


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